“O passado comunica o presente, o presente dialoga com o passado. Só assim nossa árdua função se recobre de significados e de sentidos”. Esse pequeno trecho do artigo escrito pelo professor de História da África do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), Anderson França, dialoga com o conceito de “sankofa”. Criado pelos povos Akan, localizados nos atuais países de Gana e Benin, na região Oeste da África, ele é simbolizado por um pássaro que voa para frente olhando para trás. Esse adinkra significa “nunca é tarde para voltar e recolher o que ficou para trás”. Imerso por 353 anos de um sistema escravista, o Brasil deve à população afro-brasileira uma reparação que contemple também os apagamentos exercidos durante esse período de sequestro e travessia do Atlântico.
Seu ponto alto de perversidade – ou uma das maiores perversidades – esteve presente na Decisão s/n de 14 de dezembro de 1890, expedida pelo então ministro da Fazenda, Rui Barbosa, que determinou em um dos seus trechos: “Manda queimar todos os papéis, livros de matrícula e documentos relativos à escravidão, existentes nas repartições do Ministério da Fazenda. Rui Barbosa, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e Presidente do Tribunal do Tesouro.”
Tudo isso para que a coroa brasileira não ressarcisse os escravistas da época. Mesmo diante de um fato tão tenebroso, mal sabia ele que a nossa resistência estava presente na corporeidade, no uso das tecnologias africanas de construção civil, nos conhecimentos dos processos agrícolas e da pecuária e em outros campos do saber que vinham também da transmissão oral. E são esses saberes potentes transmitidos por gerações que ergueram esse país – ao lado dos povos indígenas – que nos conduzem à necessidade de promover as reparações históricas. Fomentar a entrada e ascensão de pessoas negras no mercado de trabalho e no ambiente educacional é um desafio que precisa ser trabalhado diariamente. E bons exemplos existem.
Segundo o Movimento pela Equidade Racial (Mover), mais de duas mil pessoas negras alcançaram cargos de liderança em 2024. A iniciativa reúne 56 empresas e tem como meta fazer com que 10 mil pessoas negras estejam em posições de liderança nas organizações até 2030. Além disso, a proposta visa gerar 3 milhões de oportunidades por meio de capacitação, conexão com emprego e empreendedorismo.
No âmbito público, é preciso renovar e aumentar o percentual de reserva de vagas de 20% para 30% para pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas (PL 1958/2021) em concursos públicos federais.
Nossa sabedoria vem de longe, bem longe… e “fez” casa aqui. Para muitas(os) de nós, o tempo é circular e sempre é possível resgatar o que ficou num lugar do passado. Mas a nossa necessidade é urgente e, como canta Emicida, “é tudo pra ontem”.
Glauco Figueiredo Santos é jornalista com 20 anos de atuação e consultor de Diversidade, Equidade e Inclusão com recorte no pilar racial. Criador do perfil @omowale_br e integrante da Comissão Antirracista do Colégio João XXIII (Porto Alegre), é pós-graduando em “História da África e da Diáspora Atlântica” Latu Sensu do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN).
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