Da recente “descarga” de brasileiros em Manaus, todos solicitamente algemados à moda dos “Tumbeiros” – livro que aconselho a leitura do brazilianist Robert Edgar Conrad – causou-me surpresa o silêncio de parte da classe política brasileira, excetuando-se um, cujo nome omito, que acusou o “lote” todo de esquerdistas e de “condenados por crimes como terrorismo, abuso sexual de menores e integrantes de gangue”. Mas, neste contexto, se existe algo que me é estranho é a relação que esses lugares têm com determinados grupos populacionais. As sociedades ditas de primeiro mundo ou autodenominadas desenvolvidas têm uma ojeriza visível a migrantes. Saliente-se que elas não odeiam quaisquer migrantes, as pessoas-alvo deste sentimento normalmente são pessoas não-brancas e pobres, podem vir no combo ou separado para o objetivo proposto que é simplesmente não gostar.
O que penso ser desmedido, aceito que odiar ex-qualquer-coisa é admissível, é querer expulsar pessoas que, normalmente, estão nesses países a executar atividades que os locais não desejam. Vamos aqui falar das “Neides manicures pedicures” – aconselho a oitiva desta música de Arrigo Barnabé – que dizem fazer o maior sucesso em Nova Iorque e que, excetuando-se as “exceções que apenas confirmam a regra”, não vivem como nababos. Ou daqueles que se encarregam de cuidar dos idosos, os velhos que deles morrem de calor durante o verão. Em 2023, foram 3.700 acima de 75 anos, segundo o Le Monde. Ou ainda das, “das” porque normalmente são jovens mulheres, cuidadoras de crianças, conhecidas pela interessante denominação au pair.
Para tão delicada denominação, encontrei uma boa explicação: “do francês, em iguais condições.” O termo é usado para uma pessoa jovem e estrangeira, normalmente moça, au pair girl, que mora com uma família e faz serviços domésticos na casa ou ajuda com as crianças. Em troca, ela recebe acomodação e refeições e, às vezes, um salário modesto. As jovens fazem isto a fim de aprender a língua local ou tornar-se mais fluentes. Gosto muito da parte do “salário modesto” porque fico a imaginar se alguém que tivesse acesso a este tipo de mão-de-obra em seu próprio país pelo mesmo preço o traria de outro. A distinção que faço é que as jovens mulheres que conheci foram pelo dinheiro e pela possibilidade de, em alguma brecha legal ou não, ficarem por lá mesmo.
De todos, gosto muito da profissão de Solicitador em Portugal. Amigos e amigas detentores do diploma de Direito no Brasil e inscritos na Ordem dos Advogados em Portugal disseram-me que se ocupam muito desta atividade pelo simples fato de que os portugueses não parecem muito atraídos por ela. Ao Solicitador “compete representar, aconselhar e acompanhar os cidadãos e as empresas, junto dos órgãos da administração pública, dos tribunais, ou quaisquer outras entidades ou instituições públicas ou privadas, com vista à defesa dos direitos que lhe forem confiados”, sendo ele “um misto de advogado, procurador, consultor jurídico e oficial de justiça conforme os parâmetros brasileiros para os operadores do Direito”. A pesquisa salarial que fizemos revela que sua renda média é em torno de 1.770€ mensais, enquanto que um Advogado Autônomo recebe 2110€ e um Advogado Empregado tem o rendimento de 2.420€. Em resumo, quanto menos eles querem o que têm, seja lá qual for o motivo alegado, mais migrantes aparecem para fazê-lo.
Fábio André de Farias é desembargador corregedor do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região (PE).
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Foto da Capa: Casa Branca / Divulgação