Quando criança me recordo das temporadas de férias em Torres e do ponto de encontro que os adultos sempre mencionavam: nos encontramos na praça da Yemanjá!
Esse nome sempre muito presente e ao mesmo tempo muito longe da minha compreensão pois, até a vida adulta, trilhei outras experiências de vida religiosa que me mantiveram longe da ancestralidade africana.
Mas vocês sabem como funciona o mar. Uma vez que você coloca os pés nele, jamais o esquecerá.
Assim como foi para mim, é para muitas pessoas; as águas do mar, morada da mãe, da dona da vida, nunca sai do nosso ser.
Depois de adulta, quem primeiro me acolheu na espiritualidade foi Yemanjá. Ela me deu experiências indescritíveis com o Projeto Oorun e depois na Umbanda.
A primeira entidade que desejei conhecer foi ela: ali resgatei as memórias da infância, o cheiro do mar e o significado do ponto de encontro. Aquele local em que pra mim os adultos se encontravam nas minhas memórias de infância, era mais que um memorial. Era referência dela, Yemanjá, a rainha do mar, a dona das ondas e de todos os elementos que que ali habitam.
Multidões a referenciam no dia 02 de fevereiro: excursões, organização das oferendas, giras, cheiro de axé sendo preparado aos pés dEla.
Dia para agradecer, render-se humildemente diante da que sabe amparar, gerar, gestar, prover e sacudir a vida sempre que necessário.
Pode ser chamada de muitos nomes como Dandalunda, Inaé, Ísis, Janaína, Marabô, Maria, Mucunã, Princesa de Aiocá, Princesa do Mar, Rainha do Mar, Sereia do Mar, Sereia, Dona Iemanjá, entre outros, dependendo da região.
Gosto de entender a pedagogia dos orixás e o quanto a sabedoria de cada um acolhe, nutre, impulsiona e organiza nossas vidas.
No mar, Yemanjá nos ensina a entender os tempos, os ciclos, as marés. Respeitar o que vemos a priori: na rebentação, ao entrarmos no mar, quando mais agitado, parece que a força das ondas não nos permite seguir. Ficamos envoltos nas batidas firmes e às vezes dolorosas que as ondas nos dão.
Na mesma medida que o mar é belo devemos respeitá-lo. Como grande pedagoga, mãe Yemanjá nos ensina a olhar com respeito e contemplação de sua beleza, mas sem esquecermos de darmos os passos mar adentro com zelo e firmeza.
Mesmo para aqueles que não vivam a religiosidade ancestral africana, é uma orixá presente no imaginário e na cultura brasileira, em especial nas festas de final de ano e no mês de fevereiro, época em que o branco, as flores no mar e as rezas estão mais presentes.
Vejo Yemanjá como uma grande mãe preta, aquelas que amam, choram, brigam e lutam com muita intensidade pelos seus.
Obrigada rainha por tudo o que és!
“Mãe d’água, rainha das ondas, sereia do mar
Mãe d’água, seu canto é bonito quando tem luar
Mãe d’água, rainha das ondas, sereia do mar
Mãe d’água, seu canto é bonito quando tem luar
Como é lindo o canto de Iemanjá
Faz até o pescador chorar
Quem escuta a mãe d’água cantar
Vai com ela pro fundo do mar
Ê, Iemanjá!
Rainha das ondas, sereia do mar
Rainha das ondas, sereia do mar”
(Ponto de Iemanjá – Como É Lindo o Canto de Iemanjá)
Fernanda Oliveira é pedagoga pela UFRGS, mãe, professora, fundadora do Projeto Social Oorun que atua na afrobetização de crianças negras, cofundadora do coletivo de Profes Pretas, gestora de Filosofia e Cultura na Odabá.
Foto da Capa: Agência Brasil