O Brasil é protagonista no cenário internacional com uma iniciativa histórica na mobilização para o combate ao racismo: a inclusão de um Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), voltado à Igualdade Étnico-Racial, o ODS 18.
Essa proposta é mais que um compromisso, é um chamado para enfrentar as bases da desigualdade racial que, por séculos, têm sido ignoradas ou tratadas de forma superficial. O Brasil, palco de diversas lutas e conquistas, desponta como uma voz ativa nesse movimento, trazendo sua experiência de combate às disparidades e oferecendo ao mundo um novo horizonte de justiça social.
A proposta vem no momento certo. O racismo no Brasil não é um problema isolado, mas uma estrutura que atravessa instituições públicas e privadas, permeando cada camada da sociedade. É uma “ferida aberta” – um termo já utilizado para descrever as desigualdades que, historicamente, muitos evitam tratar. A perpetuação desse abismo é visível em dados alarmantes: disparidades brutais na renda, altíssimos índices de violência policial contra a população negra e lacunas no acesso a empregos dignos e à moradia de qualidade, entre outros. A estrutura racial brasileira foi construída e mantida de maneira deliberada, beneficiando poucos à custa de muitos.
Dados que, em 2024, mantêm a segregação racial no Brasil apontam para desigualdades persistentes em várias esferas. Segundo dados do Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades de 2024 e da Pesquisa Nacional sobre Desigualdades, do Instituto Cidades Sustentáveis, destacam-se números impactantes sobre a desigualdade racial em várias áreas:
- Renda e Emprego: mulheres negras ganham, em média, 42% do que homens brancos, e enfrentam uma taxa de desemprego duas vezes maior..
- Saúde e Segurança: a mortalidade por causas evitáveis entre homens negros, especialmente entre 5 e 74 anos, aumentou de 42% para 50% entre 2021 e 2022, sinalizando falhas no atendimento preventivo.
- Habitação: cerca de 76% das mulheres negras vivem em condições habitacionais precárias, enquanto essa taxa é de apenas 23% para mulheres brancas.
- Educação: o relatório do Observatório destaca que homens negros continuam sendo o grupo mais excluído dos sistemas educacionais, refletindo barreiras de acesso e permanência.
De acordo com a pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas” (Ethos, 2016), o ritmo da inclusão indicava que a igualdade racial no ambiente de trabalho só seria alcançada em 150 anos. Em uma nova pesquisa realizada em 2023, foi projetado que serão necessários 167 anos para alcançar um equilíbrio entre as oportunidades oferecidas a pessoas negras e brancas nas empresas. Isso significa que apenas a terceira geração de uma criança nascida hoje estará em condições de igualdade racial, evidenciando um agravamento da desigualdade ao longo do tempo.
A inclusão do ODS 18 representa uma oportunidade única para que o Brasil e outras nações enfrentem os efeitos devastadores do racismo de maneira aberta e estrutural. Essa iniciativa é uma continuação da jornada brasileira em direção à equidade. O governo brasileiro tem tomado medidas significativas nas últimas décadas, como a implementação das cotas raciais, de ações afirmativas e programas de inclusão no ensino superior e em cargos públicos. No entanto, apesar dos avanços, a luta está longe de terminar – e o ODS 18 propõe que esta responsabilidade seja compartilhada globalmente, promovendo um comprometimento coletivo e necessário.
Instituída pelo Sistema ONU em 2015, a Agenda 2030 estabelece 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que visam guiar as nações signatárias em uma proposta de desenvolvimento que prioriza as pessoas, o planeta, a prosperidade, a paz e as parcerias. O Brasil tem sido um protagonista tanto na formulação quanto na implementação dos ODS. Em dezembro de 2023, foi criada a Comissão Nacional dos ODS, com 84 membros de forma paritária, e a Câmara Temática para o ODS 18, que dará continuidade às discussões sobre a igualdade racial, garantindo que essas questões sejam integradas nas políticas públicas.
O ODS 18 é uma iniciativa voluntária do Brasil, resultante da colaboração entre diversos órgãos governamentais e a sociedade civil. Este objetivo foi apresentado em setembro de 2023 durante a Assembleia Geral da ONU, destacando o compromisso do país em promover a igualdade racial e o desenvolvimento sustentável. O ODS 18 visa integrar as questões de raça e cor nas políticas públicas, reforçando a necessidade de enfrentar as desigualdades estruturais que afetam a população negra.
A proposta de um novo Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável também carrega o peso da história. Os países europeus, que enriqueceram explorando territórios e escravizando populações africanas, carregam uma dívida moral e econômica. A exploração colonial não apenas empobreceu países, mas impôs uma desestruturação cultural profunda, apagando vozes, roubando riquezas e impondo uma hierarquia racial que persiste até hoje. Um ODS focado no antirracismo pode ser o primeiro passo formal de um processo global de descolonização, uma revisão da história que se materializa em ações reais e significativas, de forma a construir uma humanidade que honre a diversidade e a justiça.
Este movimento global de comprometimento antirracista deve ser saudado e comemorado por toda a sociedade, pois é um avanço necessário para a humanidade como um todo. Não podemos ignorar a centralidade do racismo como um problema social e econômico; enquanto ele persistir, as demais metas de desenvolvimento sustentável continuarão a encontrar barreiras. O ODS 18 sinaliza que o mundo está, finalmente, disposto a começar a enfrentar o racismo estrutural e reconhecer a importância de políticas ativas e coletivas para garantir um futuro mais justo.
Embora a igualdade plena possa parecer utópica, estamos caminhando para uma realidade onde este sonho não seja apenas possível, mas uma meta concreta. A inclusão do ODS 18 é um grito de esperança e compromisso, um chamado para que todos nós sonhemos – e lutemos – juntos pela tão desejada igualdade.
Juliano Guedes é fundador e diretor da JG Consultoria, Treinamento e Soluções para Promoção da Igualdade Racial, e membro da Odabá Associação de Afroempreendedorismo. @juliano_guedesjg
Foto da Capa: undp.org
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