Fazer brincadeiras, piadas, sátiras, memes, quadrinhos e vários outros tipos de humor que envolvam terceiros pode ser muito divertido para muitos, mas com frequência o que é considerado “humor” para alguns, é um pesadelo para os que são atingidos pelo seu conteúdo, e em muitos casos podem caracterizar ofensas que podem ensejar reparação, da mesma forma que algo publicado com o intuito claro de denegrir, ofender, atacar.
Como esquecer do recente episódio na entrega do Oscar, em que o apresentador, ao invés de aproveitar o momento para falar sobre os filmes, sobre a indústria cinematográfica, a importância do cinema como arte e na vida das pessoas, etc., preferiu brincar com a aparência de uma senhora que havia ficado careca justamente por um problema de saúde, o que com certeza é algo bem sofrido, e acabou por ser agredido fisicamente pelo marido da vítima da brincadeira?
De modo algum estou a justificar a conduta do marido, ele poderia elegantemente ter dado ao humorista uma lição de empatia, respeito e solidariedade, transmitida pelas televisões de várias partes do mundo, e que seria reproduzida pela internet e demais mídias por muitos anos. Violência não se justifica. Ele agiu por impulso, e já está pagando caro, pode ter sido até mesmo o início do fim da sua carreira.
Não tivesse o sangue subido para a sua cabeça, tivesse se controlado, veria que nessas situações muito melhor do que ficar brabo, seria ter respondido com elegância ou até ter ficado calado, e depois entrar como uma tremenda ação pedindo uma indenização pelos danos morais.
O ponto é que para cada ação, há no mínimo uma reação, e que não é preciso que se publique algo ostensivamente ofensivo e direcionado a vítima, que se esteja ao “ao vivo e a cores” em um teatro lotado de celebridades, e com transmissão imediata por muitos canais de televisão, para que quem é alvo de uma ação, se sinta agredido, sofra, tenha a sua personalidade, sua dignidade, honra, moral ou imagem ofendidas. Para o estrago acontecer, e alguém ser também considerado autor de uma ofensa, em alguns casos basta uma pequena publicação na “internet”, um compartilhamento, um comentário, ou até mesmo um simples “curti” solidário, ainda que a publicação não se torne viral.
O humor é uma importante forma de expressão humana, pode deixar a vida mais leve, servir para chamar a atenção da sociedade, ser algo que leva a reflexão, ser uma crítica, servir a democracia, uma arte, etc., e é protegido constitucionalmente pela liberdade de expressão. Todavia, ainda que de forma não intencional, pode destruir reputações, magoar pessoas, causar sofrimento, questionar de forma deselegante, cruel e ofensiva as convicções de muitos, ou de vários outros modos causar dano a alguém, enfim, ofender a dignidade da pessoa humana que é um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, mencionado já no artigo 1º da Constituição Federal.
Ademais, até mesmos pessoas jurídicas, tais como empresas, instituições, partidos podem sofrer danos morais, abalos a sua imagem. É muito tênue o limite entre o que é humor ou agressão, liberdade de expressão ou ofensa à dignidade da pessoa humana, e cabe a justiça decidir a respeito, sobre o que caracteriza ilícito.
O que fazer?
A primeira coisa a fazer quando a pessoa referida na publicação verificar algo que lhe é ofensivo, é fazer uma captura de tela da publicação no seu computador ou celular, o famoso “print”, pois depois que a publicação tiver sido excluída será mais difícil comprovar sua existência e autenticidade.
Em seguida, o melhor a fazer é procurar com urgência um advogado para que ele faça uma avaliação sobre o caso, para que juntos cheguem a um consenso sobre como agir, qual a melhor estratégia, quais medidas legais irão utilizar.
Pedidos de exclusão dos conteúdos publicados
A este passo é importante deixar claro que nem sempre serão acolhidas pelos provedores de internet, as denúncias e os pedidos de exclusão de publicações com conteúdo ofensivo, ainda que realizados pelos canais disponibilizados pelos próprios provedores. De acordo com o Marco Civil da Internet somente após uma ordem judicial o provedor estará obrigado a retirar conteúdo publicado.
Todavia, se o juiz determinar a remoção do conteúdo, e o provedor de internet não cumprir a ordem a ordem judicial para excluir a publicação, ele será também responsável por indenizar as perdas e danos. No entanto, é o juiz é quem irá decidir se é caso ou não de se excluir a publicação, se é um conteúdo ilícito, esse julgamento não cabe ao provedor. Ademais, o ofendido deverá indicar o endereço da página, o URL onde está publicado ou armazenado o conteúdo ofensivo, o que muitas vezes é bem difícil, pois reproduzido em várias páginas e em mídias diferentes.
Ata notarial
Caso ofendido decida esperar uns dias, antes de consultar o advogado, mas queira desde logo começar a produzir provas, poderá ir a um cartório, e requerer que seja feita uma ata notarial, na qual será narrada tudo aquilo que o tabelião verificar na publicação, detalhadamente. Isso tem um custo, não muito módico, e muda de estado para estado da federação, mas será uma ótima prova no futuro, caso seja ajuizada alguma ação. Embora não seja obrigatório, o ideal é ir ao cartório acompanhado de um advogado.
Autenticação Digital
Como a outra parte pode negar a autoria, autenticidade ou a integridade do documento eletrônico que foi visto pelo tabelião, é recomendável que se faça também a “autenticação digital” de cada foto ou vídeo. Existem diversos aplicativos disponíveis que verificam que a localização, hora, data ou imagem ou vídeos não foram alterados ou copiados, que houve a preservação dos dados e metadados, ou seja, que garantem que o conjunto de procedimentos para a coleta e documentação da prova foram realizados da melhor forma possível e corretamente registrados, procedimento que no juridiquês se chama cadeia de custódia. Esses procedimentos podem ser feitos mesmo antes de se procurar um advogado.
Tanto a ata notarial como a autenticação digital são muito importantes, colocarão o acusado na difícil situação de provar o contrário, mas isso não significa que não possa ser realizada uma perícia no futuro visando desconstituí-las. Por outro lado, em muitos casos, mesmo sem elas o ofendido poderá conseguir provar a existência da publicação, a autoria, a autenticidade e integridade do documento eletrônico, vale dizer da foto ou vídeo, por meio de outras provas, sem falar que se elas não forem impugnadas pela outra parte judicialmente, serão válidas e tidas por autenticas.
Outrossim, importante destacar que tanto a ata notarial quanto a autenticação digital podem ser muito úteis para comprovar o conteúdo enviado pelos aplicativos de mensagens como, por exemplo, o Whatsaap, Messenger, Direct.
Medidas judiciais
De forma geral, em algumas situações, o ofendido poderá, na esfera civil, optar por se socorrer de ações de reparação de danos nas quais se postula uma indenização, ou por buscar uma reparação não pecuniária, como, por exemplo, o direito de resposta, muitas vezes um desmentido público terá melhor repercussão.
Poderá ainda solicitar judicialmente uma proteção de natureza preventiva, para que não seja efetuada nova publicação ofensiva, a repetição do conteúdo, até mesmo para que o juiz determine que determinado site ou provedor de internet não mais publiquem conteúdo referente a pessoa ofendida, o que é muito difícil de ser concedido, pois tal pedido pode esbarrar na liberdade de expressão, até mesmo na liberdade de imprensa.
Além das reparações acima, será possível na esfera penal haver a instauração de ações penais, caso esteja contida no conteúdo publicado pelo ofensor alguma injúria, calúnia, difamação, ameaça velada, instigação ao ódio, racismo, assédio, ou qualquer outra forma de crime. A melhor forma de reparação dependerá de cada caso concreto, e deverá ser avaliada pelo ofendido e seu advogado.