Esta semana estava vendo uma entrevista do humorista Antônio Tabet e me chamou a atenção a avaliação que ele fez sobre os problemas que a Rede Globo está enfrentando. Segundo ele, um dos motivos seria o fato da emissora ter focado nas donas de casa no final dos anos 1990, deixando de lado o público infantil e “desensinando” toda uma geração a assisti-la.
Confesso que nunca tinha pensado muito sobre o assunto, mas vi nisso um bom exemplo de como avaliar cenários e fazer as “perguntas certas”, antes de aplicar uma solução, é tão importante quanto resolver um problema rapidamente. Vou usar o caso da emissora para explicar melhor.
Na década de 1990, a Globo estava perdendo a hegemonia para produções relativamente simples, como o programa de Ana Maria Braga, da TV Record. A solução foi contratar a loira a peso de ouro e alocá-la na grade matutina, antes focada nas crianças.
Deu certo: receitas culinárias e jornalismo leve retomaram o primeiro lugar no IBOPE. Por outro lado, aqueles pequenos que viravam estátuas na frente do He-Man e da She-Ha foram estimulados a migrar para a TV paga e o YouTube.
Pode até ser que este movimento fosse acontecer de qualquer jeito, mas o “DataFilho” aponta que a relação com conteúdo tem que começar de algum lugar. O Pedro, que hoje tem 14 anos, quando tinha 9, chegou da escola perguntando o que era a Globo e como podia acessá-la.
Sem nunca ter visto TV aberta, ele consumia horas e horas de vídeo, totalmente distante da marca que era onipresente na infância de qualquer brasileiro (e talvez português) com mais de 30 anos. Nós, que também não assistimos muita televisão, desconversamos e, até hoje, o gajo vive sem as alegrias de assistir um capítulo de Pantanal escondido.
Retomando a Jornada do Usuário (conhecimento – consideração – aquisição – uso – colaboração), a Globo deixou de ser conhecida pelos mais jovens, que passaram a desconsiderá-la no momento da decisão de “o que assistir” e, portanto, deixaram de consumir seus programas e recomendá-los aos seus pares. Assim, a decisão, que manteve o status da emissora carioca há 20 anos, gerou um apagão entre um público que hoje está plenamente inserido no mercado de consumo.
E como isso poderia ser evitado? Testando teses de forma controlada.
Marcas que constroem soluções sustentáveis de forma sistemática contam com laboratórios ou times de inovação para avaliar e resolver problemas de forma desvinculada do dia-a-dia. A separação garante disponibilidade de análise e isenção para avaliar resultados e cenários, já que estes times precisam estar preparados para conceber, prototipar e testar algumas avenidas de possibilidades que não precisam (e nem devem) estar alinhadas com as opiniões prevalentes na companhia.
O trabalho deve ser feito a partir de metodologias específicas, que têm a inteligência competitiva no topo do funil. É a partir do conhecimento e da observação de cenários que são identificadas falhas e oportunidades. Isto dá origem a ideias e teses que são criticadas para determinar sua evolução ou engavetamento.
São inúmeras as etapas de contestação e check, que levam essas teses a serem modeladas, prototipadas e testadas numa amostragem controlada. Tudo isto gera aprendizados contínuos, mesmo quando uma solução não frutifica. Assim, sem se expor, a marca pode dimensionar com maior exatidão riscos e oportunidades de negócios, sejam eles novos, complementares, amplificadores (de performance e atuação, por exemplo) ou transformadores.
E qual o custo dessa brincadeira? O modelo de um laboratório de inovação varia muito de uma empresa para outra, mas costumo dizer que a companhia precisa encará-lo como investimento em um seguro ou um anti-vírus. Todos os três protegem o negócio de surpresas não diretamente relacionadas ao seu dia a dia, com a vantagem de que um laboratório de inovação ainda gera inteligência, parcerias, valor de imagem e atração de talentos. Só para listar alguns outros ganhos indiretos.