Graças à arte, o conhecimento científico sobre os bebês avançou um bocado, nas últimas décadas. Do bebê passivo, autista e incompetente ao oposto disso, surpreendemo-nos com os séculos de ignorância de nós mesmos. Os benefícios são enormes e apontam para a necessidade de cuidados, no início da vida. Entre os carros-chefes das tantas descobertas, há este que parece vir do astral, embora seja muito bem representado pela arte e pela ciência. Constituímo-nos a partir do olhar do outro, decisivo em nossas identidades e constituição emocional. O olhar da mãe é mesmo o espelho do bebê (Winnicott) que se verá como ela o vê. As ideias maternas e dos demais cuidadores são também decisivas (Stern, Cramer, Lebovici), logo atestam se nos sentiremos mais seguros ou menos, mais esperançosos ou menos, mais felizes ou não.
Claro que (Freud) os artistas anteciparam todas essas descobertas. Daí a máxima do escritor Ernesto Sabato, em seu testamento literário (A Resistência), não hesitando em reconhecer que os outros sempre lhe salvaram, por isso lamentando cada encontro a que não compareceu. Sim, os outros nos salvam, desde e mais ainda no começo, quando as suas representações dirigidas a nós se cristalizavam nas que teríamos de nós mesmos.
O incrível é que as primeiras decisões seguem apitando nos desdobramentos, quando boa parte dos outros já partiu em carne e osso, mas seguem firmes dentro da gente. E dão as cartas de como estamos vendo e vivendo os nossos dias. Uma ideia mais animada da própria existência fará com que possamos reconhecer a beleza, ou não. Daí podermos (ou não) nos animar com um intérprete de Libras dançando nos gestos que traduzem o cantor. Ou com o pássaro que invadiu a sala de reuniões e se tornou mais importante do que todos os assuntos debatidos. Ou com a cor da aurora, ou com o escuro do crepúsculo, ou com o mínimo e quase nada que se passa, fora ou dentro. Ninguém é capaz de olhar sozinho, ao menos nos primórdios, quando uma mediação se faz necessária para que a paisagem não passe em vão. Me ajuda a olhar, clamava Santiago Kovadloff ao pai, na primeira vez que via o mar (Galeano). Ninguém pode olhar sozinho na primeira vez e em muitas das seguintes. Ninguém pode maravilhar-se sozinho na primeira vez e em muitas das seguintes.
Não se trata de espíritos, embora também possa ser. São os primeiros olhares a nós dirigidos, e o quanto ou como fomos pensados, lá naquele começo que, de certa forma, nunca termina. Que tenhamos sido olhados com algum entusiasmo, que tenhamos sido pensados com alguma esperança, terá sido decisivo. Caso contrário, na falta de novos encontros que nos relancem, forçaremos a barra com alguma droga e muito consumo, esses olhares fakes de um outro que nunca veio.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
Todos os textos de Celso Gutfreind estão AQUI.