“Um momento de emoção e alegria na noite de 28 de agosto, na Kilombola,
a convite da professora Tavama, coordenadora do curso, e do professor Baiard Brocker, e acompanhada
pela arquiteta Flavia Boni Licht, mestra em acessibilidade”
Foi uma oportunidade rara de conversar com os alunos sobre o conhecimento como forma de ultrapassar barreiras e estimular a autoestima. Falei sobre a minha experiência e ouvi jovens que estudam, trabalham, são estigmatizados, mas seguem firmes em busca de novos horizontes. Pontuei que a nossa luta é diária e múltipla, contra os estereótipos, as fórmulas e os discursos que já vêm prontos e tabelados, como sugere uma canção chamada Parque Industrial, de Tom Zé: “É somente requentar e usar”. Falei sobre a importância de enfrentar a ordem social que não nos aceita como somos e instigar a reflexão, além de ficarmos atentos aos efeitos do que dizem sobre nós.
Nossas raízes colonialistas e escravagistas, aninhadas na casa grande, desenharam uma sociedade barbaramente seletiva.
Criaram gerações, enriquecidas e soberbas, que foram atrás de quem as servisse. Não apenas para servir, mas para escravizar. Buscaram os negros africanos e o desprezo por eles foi tão grande que atravessou séculos e se transformou num dos mais arraigados e indecentes preconceitos no Brasil. Desprezo que foi se estendendo para tantos outros trabalhadores que passaram a servir os donos da casa, a “grande”. Aqueles que fazem os serviços essenciais de tantos lares, mas pela cor da pele ou pela condição social, não são dignos de entrar pela porta principal e nem sentar à mesa para comer.
Lembrei que tijolo por tijolo desta construção que chamamos Brasil é resultado do trabalho de milhares de negros trazidos da África para servir aos brancos invasores. Falei da necessidade de abrir janelas e atravessá-las em busca de um sistema educacional aliado à diversidade para a nossa libertação. As escolas são fontes de aprendizado e afirmação da cidadania. E devem sacudir essa realidade através da fala, da atitude, do acolhimento e da troca de ideias.
Para mudar, é necessário pensar coletivamente, dividir experiências, inquietações e sonhos. A diferença que espanta e provoca a exclusão é o que nos torna únicos. E falar sobre o que chamam de deficiência por razões físicas, mentais, emocionais, intelectuais, problemas auditivos ou de visão, assim como falar do racismo estrutural, exige que a gente enfrente o preconceito que está enraizado na sociedade.
Quem já parou para pensar sobre o que nos leva a rejeitar algumas pessoas e outras não? O que nos leva a achar que uns são piores que outros por conta da cor da pele, da condição social, do tamanho, da raça, da opção sexual? Que sentimento hostil é esse que se transforma em piada, deboche, agressão, bullying, morte? Que intimida e maltrata?
Lidar com o preconceito exige de nós, mexe com as emoções e com a autoestima porque é fruto de uma sociedade prepotente, dividida em classes distintas, que segrega, que não aceita a diferença, seja ela qual for. É sob esse eco que pessoas negras e pessoas como eu ainda vivem. Nossa presença incomoda porque somos a certeza da mistura de raças, de vidas diversas e da impossibilidade da tal perfeição. E tudo está tão entranhado no nosso inconsciente que parece normal. Mas não é! Por isso, precisamos falar. Provocar a reflexão sobre cidadania, respeito humano, igualdade de direitos, justiça.
Neste universo nada acolhedor, é necessário cavar um lugar social e sair da invisibilidade para sermos vistos como cidadãos, com direitos e deveres.
Para avançar nas questões referentes ao racismo e ao acolhimento das diferenças, da mais banal a mais complexa, temos que nos posicionar e jamais negar a nossa condição. Para além da cor, da condição física e intelectual, do sexo, do meio social, da profissão, da eliminação de barreiras, incluir não é favor. É aceitar o direito do outro.
Procurem olhar para quem é diferente de vocês. Reconheçam as condições de vida das pessoas. Falem. Perguntem. Ouçam. O preconceito, seja ele qual for, precisa ser enfrentado em qualquer circunstância. Não podemos fugir do que nos intimida. Diversidade, inclusão, respeito pelo meio ambiente, pelo outro e pela condição humana são os luxos do futuro. Harmonia, diálogo e convivência solidária.
A gente só é o que a gente é a partir do outro.
Este foi o recado que deixei para aqueles jovens atentos, que me ouviram, fizeram perguntas, me emocionaram com seus olhares acolhedores. Temos comportamentos diversos, limites, sonhos, aptidões, convicções. E é nosso dever lutar pela cidadania, pela diversidade, pelos direitos humanos, sem as amarras do preconceito.
Olhem para a vida com olhos livres. Transformar o cotidiano depende da atitude de cada um de nós.
Foto da Capa: Flavia Boni Licht / Divulgação
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