Este é o tempo das oses. Poderia ser oses de doses que precisam ser mais moderadas: de glicose para não subir o açúcar, de álcool para não acordar o labirinto, de exercício para não adormecer as costas. Não se trata disso: é ose de artrose, essa que comparece aos resultados de todos os exames clínicos e de imagem, seja em ombro ou joelhos, seja em dedos ou quadril. Oses que não se detêm no inequívoco figurado dos ossos, porque há outras oses mais sutis em tendões e cartilagens, em ligamentos e meniscos. Haveria oses até mesmo nos olhos, se ainda pudessem ver detalhes ou totalidades.
O mundo, enfim, transformou-se em uma grande ose, sem nenhuma ode, e passa a ser medido por ela. O médico as apresenta sem escárnio, diante de laudos a serem comemorados, segundo ele, porque ose não é oma de um tumor a ser extirpado, tampouco ite curável e autolimitada por um lado, mas por outro podendo antecipar o fim de tudo, sem direito a novas auroras ou exames. Drummondiano, o médico assegura que, sim, é tempo de oses. Há tempo, inclusive, para mais algumas delas, aqui, ali, acolá. Tirar não poderia, caso contrário, acrescenta-se: um exercício, um reforço, um alongamento, uma compressa de gelo, uma bolsa de água quente como se houvesse todo o tempo do mundo. E basta justo a persistência dele, o tempo, disciplinado e metódico no cálculo de cada vida, e com aquela má vontade sistemática com os cachorros, cujas partidas as almas, sem nenhuma ose, seguem lamentando.
Melhor melancolicamente drummondiano do que terrivelmente folclórico, como naquele conto em que a Morte chega para acertar as contas e, mostrando cada ose ao sujeito incrédulo, assegura que vinha avisando há muito tempo. Sim, tempo metódico, disciplinado e cruelmente criativo. Dia desses, eu o encontrei personificado. Eu estava em uma festa, onde administrava cada dose de um só chope. Foi então que fui cumprimentado por um velho barrigudo. Pensa daqui, lembra dali, até que saiu o laudo inconteste da memória. Tratava-se do irmão caçula e bonitinho de uma antiga namorada. O homem tentava acompanhar com o corpo lento os sons velozes do vocalista de uma velha banda.
Era, de fato, o tempo em dose alta, e só não fui dormir porque faltava meio gole de um chope quente, e a ose do meu cérebro adora se exibir com uma insônia.
Foto da Capa: Freepik
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