Nada… não há o que faça dispersar aquela turma…Escrevo sobre um grupo que se reúne há mais de 50 anos, pelo menos uma vez por semana, num pequeno espaço de pouco mais de cem metros quadrados no Menino Deus, em Porto Alegre, o quase encantado bairro cantado por Caetano. Às vezes, são poucos. Só dois, ou três. Às vezes, são muitos. Mas sempre estão juntos.
É…já se vão mais de 50 anos. Eles são longevos como a parceria que os une. Para dar uma ideia melhor da longevidade do lugar e da turma, eles são a terceira geração de frequentadores daquele espaço, conhecido, desde a fundação, lá no final do anos 40, começo dos 50 do século passado, simples e, ao mesmo tempo, solenemente como o Bar.
Frequentado pelos mais legítimos representantes da classe média: professores, funcionários públicos, diretores de estatais, políticos (claro, não podiam faltar os políticos num ambiente como aquele), um prefeito cassado, um candidato a governador, depois governador…
No máximo, tinha o complemento dos nomes dos donos. Nasceu como Bar do Carlinhos, foi do Geraldo e da Dona Hilda, da Odete, do seu Zé – também conhecido como Tropeiro de Lesma, pela rapidez com que atendia os fregueses. Vendia leite, quando se comprava leite em garrafa e, principalmente, cerveja. Placa com o nome na fachada, não tenho certeza, mas acho que tem, agora, pela primeira vez.
O Bar era, majoritariamente, Brizolista, o adjetivo vai com maiúscula em respeito ao homenageado. E rachado entre colorados e gremistas. Tão rachado que os gremistas se deram o direito de fechar a rua, em 1967, para comemorar o hexacampeonato tricolor, mesmo com a ameaça de alguns colorados de correrem pelados em cima das mesas…
Agora, não é mais só o Bar. Hoje, tem aquele `S emendado no nome da proprietária, que omito porque não pedi autorização para divulgar. Agora, é Restaurant & P U B. Assim mesmo, com as letras separadas e numa fonte bem rebuscada para seguir os maus tratos aplicados nestes tempos modernos à nossa já tão maltratada última flor do Lácio…
O velho Bar mudou. Melhorou, claro, como tudo que evolui para ser contemporâneo. Hoje, dá para almoçar e jantar ali. No tempo da Dona Hilda, no máximo, se consumia um picado de queijo e presunto, umas fatias de salame, já na madrugada, enquanto os dados rolavam no tabuleiro de Eucatex apelidado de Maracanã.
Comer mesmo, só em eventuais churrascos assados, nos sábados à tarde, num meio tonel encostado no muro do vizinho. E na grande confraternização de todos os dezembros. Sim, todo fim de ano tinha festa grande. Com direito a discurso. Sempre do professor.
Já não tem mais o tonel, nem o velho banco de madeira onde o Maneca descansava o seu Beltmont liso depois do solene “bom dia, senhores! Um meio liso, dona Hilda”. Não tem mais o Zeca Mentel degustando seu Drury`s no canto do balcão. Don Don, o belo já não invoca mais as forças do além para ter sorte no seven eleven. Curto e Grosso já não grita mais “merda é banca” depois de perder os últimos 100 cruzeiros numa rodada dos dados…
Já não tem mais a brilho do maestro Tonti com seu teclado. E não se ouve mais o compadre – adaptando as frases de Ortega y Gasset – a gritar “olhaqui ôôô, eu sou eu e minhas circunstâncias!!
Não tem mais o Eladino, que, para mim, foi o precursor do VAR, encerrando a discussão sobre o impedimento que anulou o gol colorado no GreNal: “Mas é natural, ora bolas. Foi impedimento! Eu tava na linha!” Gremista, Eladino estava sempre num lugar privilegiado da arquibancada de onde podia ver, melhor até que o juiz, os lances mais complicados, principalmente nos grenais…
Não tem mais o Batman, o arquiteto, chegando no bar de carona numa carroça daquelas que antigamente ficam estacionadas na Praça Garibaldi esperando ser contratadas para algum frete…
Bá (não gosto daquele Bah…)! Tanta coisa já não há mais… Só o que continua existindo é a amizade daquele grupo que o Careca, dono de bar há mais de 50 anos, classifica como a maior turma do mundo. Pois, para confirmar o que diz o Careca, eles voltaram na quinta-feira passada, depois de algum tempo vagando por outros espaços, a se reunir no velho bar.
A diferença é que eles não vão mais ao Bar, como antigamente. Agora vão na “Fulana”. As concordâncias e desavenças continuam as mesmas. Não são mais Brizolistas. Agora, são progressistas e bolsonaristas (assim, com minúscula como merece o capitão). Continuam colorados e gremistas. E amigos. E se encontram, também, virtualmente, mas só para tratar do cardápio da quinta-feira e para confirmar presença.
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Foto da Capa: Pexels