Esta semana, enquanto percorria de carro os 600 quilômetros que separam Lisboa de Madri, entrei em um estado de divagação mental. Por alguns minutos a amarra temporal se desfez. O tempo deixou de ser aquele que mostrava meu relógio e se tornou elástico, fluído e mágico. Passado e presente eram uma coisa só.
As estradas longas e retas que atravessam o idílico cenário do Alentejo e a névoa sobre os campos me induziram a uma espécie de transe e me vi no instante do nascimento do meu primeiro filho. De repente eu estava ali na sala de parto com ele sobre meu peito. Logo dançando suavemente com ele no colo na frente do espelho do quarto da nossa casa.
Fragmentos da nossa vida juntos vinham e voltavam na minha cabeça: de mãos dadas entrando na escolinha, sentados na areia da praia em Torres fazendo castelo, olhando os patos e as tartarugas na pequena lagoa no Parcão. Ele me olhando com aqueles enormes olhos esverdeados e sorrindo sem os dois dentinhos da frente.
Virei involuntariamente a cabeça e olhei pela janela do carro para a terra ainda meio adormecida. Aos poucos a cerração foi cedendo espaço ao sol e me senti confortavelmente envolvida por um manto de silêncio e paz.
Tocou o telefone. Do outro lado da linha a voz já adulta do meu eterno menino me disse: Antonio nasceu. O filho do meu filho chegou ao mundo no primeiro dia de junho. Com o Rafa aprendi a ser mãe, com o Antonio entro oficialmente no mundo encantado das avós.
Como não amar o passar do tempo se é justamente ele que nos permite viver todas as emoções que precisamos viver nesta vida?
Nós até podemos deixar o tempo na dimensão vulgar do conceito de passado, presente e futuro. Podemos ainda permitir que nos afete e angustie pela sua irreversibilidade e por nos conduzir a um fim inevitável. Podemos lutar contra, negar e afastar a ideia de que ele está passando mais rápido do que queríamos.
O melhor, contudo, é fazer as pazes com ele e deixar que nos leve pela mão ao longo da nossa existência. Deixar que nos mostre não só o caminho, mas também as portas que teremos que abrir. E é ali, atrás de algumas destas portas, entre o sonho e a realidade, que encontraremos a felicidade.
Bem-vindo, Antonio!
Foto da Capa: Freepik
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