Desde 2021, quando integrei a coordenação de pesquisa do estudo Ancestralidades Negras para o Itaú Cultural, realizado pela White Rabbit, sob a liderança de Márcio Black, Jader Rosa, Tiganá Santana, Ana Maria Gonçalves e Sueli Carneiro, me pego com a pergunta norteadora deste mega mapeamento na época: quem são, o que fazem ou fizeram pessoas negras nas área da arte e cultura, democracia e direitos humanos, negócios, ciências e tecnologias. O estudo era a base inicial para uma plataforma de mapeamento sistemático da história e perspectivas de futuros da comunidade negra no Brasil.
E é claro que o maior empecilho foi a sub-representatividade, a falta de registros ou visibilidade de quem está em movimento ou esteve em cada uma destas áreas. Pessoalmente, este projeto para mim foi um misto de exaustão e resiliência, pois eu sabia que além de técnica, existia uma motivação e intencionalidade de estar envolvida de alguma forma em um processo de reparação, memória e visibilidade que é uma dor ancestral que afeta a todos nós, pessoas pretas no Brasil.
Eu poderia contar tudo que rolou nos bastidores deste projeto, das interações memoráveis com as lideranças até a imersão na prática da complexidade de uma pesquisa baseada em sinais, na metodologia PASTEL e de horizontes de futuros, mas vou fazer um recorte sobre a parte da pesquisa nas áreas de ciências, inovação e tecnologias.
Lembro que foi a parte que buscamos sinais dia e noite incansavelmente e parecia que não rastreava nada. Então, quando mudei a lente e comecei a pesquisar por inovação periférica, comecei a achar sinais e registros potentes na emergência da economia da favela, da inovação periférica, de iniciativas como o Vale do Dendê, coletivos de desenvolvedores pretos, de startups pretas como Afro Saúde e cruzar com o resgate histórico de cientistas e inovadores negros e negras, com excelente trabalhos, mas com apagamento social.
Se passaram 3 anos, muita coisa aconteceu após esta pesquisa até chegarmos em 2024 e eu continuar a me perguntar: onde estão as pessoas pretas na tecnologia? E começar a fazer mais um recorte: onde estamos nós mulheres pretas?
Faço mais uma volta ao passado no ano de 2017, quando integrei a Curadoria do Festival da Transformação, em Porto Alegre, uma iniciativa ousada e corajosa da então diretoria da ADVB, onde meu ex-colega de UFRGS, o empresário de tecnologia Jonatas Abbot era vice-presidente e decidiu materializar um festival inspirado no SXSW para energizar o ecossistema de inovação por aqui.
Naquele momento, inspirada por conversas com a minha irmã Janaina Carneiro, que integrava o ecossistema de inovação empreendedora internacional, eu me propus a provocar uma trilha preta com pessoas emergentes. Rastreei (bem antes da White Rabbit na minha vida): Ian Black, Luana Genot, Saunne Bispo… e conheci o Fabricio Goulart e o Fausto Vanin que eram curadores como eu, na mesma cidade, e não nos conhecíamos. O dois vinham da área de tecnologia e eu da comunicação e marketing.
O evento aconteceu, a trilha preta foi um sucesso, pois junto inclui pessoas negras gaúchas, entre elas o Felipe Rocha, que veio mais tarde a desenvolver um mestrado em economia criativa, e fundar o GPNIC- Grupo de Profissionais Negros da Indústria Criativa no RS. Vamos fazer uma passagem de tempo e chegar 7 anos após, em 2024, pós SXSW, pós Web Summit Rio e retorno aos estudos acadêmicos com na Escola de Administração da UFRGS. E continuo me perguntando onde estão as pessoas pretas neste ecossistema?
Continuo pesquisando as listas de Forbes, de pessoas influentes, dos diversos rankings e vejo muita gente com a função de diversidade e inovação. Será que este é o nosso lugar único? O lugar permitido? Recentemente participei de um projeto que buscava recrutar mulheres negras para a área de BI. Também fiz uma jornada de mentoria, onde conversei com várias jovens negras que haviam recebido bolsas para a área de ciência de dados.
No SXSW fiz questão de ir em cada palestra onde aparecia uma pessoas negra para entender o que fazem. Assisti a palestra da Dra. Joy Buolamwini (foto da capa) que é uma das principais pesquisadoras sobre IA e vieses algorítmicos, pesquisadora do MIT Lab e fundadora da Algorithmic Justice League. Ela foi a responsável por persuadir a Amazon, IBM e Microsoft a rever as politicas de reconhecimento facial. E sua tese do MIT é a base do documentário “Coded Bias” da Netflix, desvendando que os sistemas mais refinados de IA ainda replicavam vieses de raça e gênero. No documentário, a cientista, ativista e “poeta do código” usou uma máscara branca para ser “enxergada” por diferentes softwares de reconhecimento facial. E com essa visão ela fundou a liga de justiça algorítmica, organização que visa criar estruturas de IA éticas e igualitárias.
E talvez por aqui você tenha entendido por que a minha busca/pergunta é importante: onde estão as pessoas negras na inovação e tecnologia. Porque precisamos estar imersos e protagonistas trazendo uma lente diversa para este novo mundo que está em construção e nos afeta. Pois não existe tecnologia isenta. Existem dados, narrativas e estruturas de exclusão que se perpetuam ao longo de cada ciclo.
Foto da Capa: Michael Buckner | Divulgação
Mais textos de Patrícia Carneiro: Clique Aqui.