Há uns bons anos, eu estava assistindo ao programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, e um dos convidados, num rompante de xenofobia, criticando a escolha de Dunga para comandar a seleção brasileira masculina de futebol, disse a seguinte frase: “Onde já se viu treinador gaúcho de futebol?”. E seguiu: “Desde quando gaúcho entende de futebol?”.
Ele falava a sério. Não era um chiste. Na época, enumerei mentalmente vários técnicos nascidos no Rio Grande do Sul que figuram entre os mais vitoriosos do país. Mas estava em casa, em frente ao televisor, não havia recursos de interatividade, e ninguém da bancada se opôs à fala do tal convidado.
Nesta semana, olhando postagens no Facebook, veio uma que comentava sobre o primeiro técnico que convocou Pelé, aos dezesseis anos, para a seleção do nosso país. Quem é ele? Sylvio Pirillo. Onde nasceu? Em Porto Alegre, no ano de 1916. Como jogador, vestiu as camisas do Americano-RS, Internacional, Peñarol, Flamengo, Botafogo e da Seleção.
Como técnico, Pirillo treinou a Seleção Brasileira, Botafogo, Bonsucesso, Náutico, Fluminense, Internacional, Corinthians, Palmeiras, Juventus-SP, São Paulo, Ferroviária-PR, Bahia, Desportiva, Ferroviária de Araraquara, Maringá, Paysandu, Santo André, Rio Claro e Taubaté.
Além de vários títulos como jogador, destacando-se o tricampeonato carioca pelo Flamengo em 1942, 43, 44, levantou importantes canecos como treinador: Torneio Rio-São Paulo de 1957 pelo Fluminense, Campeonato Paulista de 1963 pelo Palmeiras, Copa Roca de 1957 pela Seleção Brasileira, Campeonato Sul Americano de Acesso em 1962 pela Seleção Brasileira de Acesso. Ah, como jogador, tem a marca de artilheiro do campeonato carioca que não foi superada, e creio que dificilmente será: 39 gols pelo Flamengo em 1941. É o quarto maior goleador da história do clube.
Iniciando com Pirillo, vamos seguir nossa lista de técnicos gaúchos que treinaram a Seleção. Osvaldo Brandão, nascido em Taquara em 1916 fez história no futebol brasileiro. Além de treinar a Seleção, levantou taças e mais taças pelo Palmeiras, time em que foi tricampeão brasileiro, 1960, 72 e 73. É o treinador da chamada Segunda Academia, com craques como Ademir da Guia, Dudu e Leivinha.
João Saldanha, nascido em Alegrete em 1917. Treinou o Botafogo, time em que conquistou o estadual de 1957. Foi anunciado como técnico da Seleção em 1969. Fez uma campanha de 100% de aproveitamento nas eliminatórias, com seis vitórias. Montou a base do time que levantou a taça em 70, com Pelé, Tostão, Jairzinho, Carlos Alberto, Piazza, Félix, todos titulares preservados por Zagallo, que o sucedeu.
Mais recentemente: Tite, Mano Menezes, o já citado Dunga e Felipão, treinador do penta em 2022, última vez em que comemoramos a Copa do Mundo. E ainda tem o Cláudio Coutinho, que nasceu em Dom Pedrito, em 1939, mas foi ainda criança para o Rio de Janeiro, com quatro anos de idade. Dirigiu a canarinho na copa de 1978. E o Carlos Froner, de São Borja, nascido em 1919. É um tarimbado treinador gaúcho que dirigiu vários times pelo país. Foi o técnico da Seleção Gaúcha que representou a Seleção Brasileira em 1966, vencendo a Taça Bernardo O’Higgins. Dirigindo o Flamengo, passou o Júnior da lateral direita para a esquerda, posição em que se consagrou.
Por fim, destaco o Ênio Andrade, que vestiu a camiseta da Seleção como jogador em 1956, mas não chegou a treinar o escrete nacional. Foi treinador tricampeão brasileiro, pelo Inter, Grêmio e Coritiba. Nasceu em Porto Alegre no ano de 1928. Olha o que disse sobre ele o Vanderlei Luxemburgo: “Depois do Zagallo, o Ênio Andrade foi o treinador que eu mais admirei. Nunca trabalhei com o Ênio, mas vi muitas vezes as equipes dele jogar. Era incrível como o seu time tinha um desenho tático com sua cara”.
Sem falar nos tantos outros técnicos gaúchos que, mesmo não treinando a Seleção, tiveram e continuam tendo inúmeras conquistas regionais, nacionais e internacionais e que não foram citados aqui.
O sujeito pode não gostar do futebol gaúcho, dos treinadores gaúchos, do Rio Grande do Sul. É um direito seu. Mas não pode ignorar os fatos.
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