A-K 9: O desafio da busca de integração interna e externa e a superação de toda forma de fragmentação/desunião/falta de cooperação plena. (Necessidade de fazer com que a organização atue todo o tempo em rede, “em mutirão”, para poder fazer face aos desafios inéditos que emergem continuamente do contexto externo. Necessidade de integração de todos os parceiros que ajudam a otimizar os resultados em um grande “ecossistema”).
VM: Uma organização é feita de pessoas, é um organismo vivo e dinâmico. Usando ainda a metáfora do amor pelo mar desenvolvida por Exupéry, se o amor comanda nossas ações no trabalho, revolucionamos as relações neste ambiente. Ver/enxergar os processos amorosamente permite agir em conjunto e solucionar problemas com mais rapidez e eficiência, tirando o máximo de prazer de cada etapa do processo, usufruindo da jornada integralmente. “Gosto das cantigas dos forjadores de rebites e dos serradores de tábuas porque eles celebram, não a provisão arrecadada, vazia portanto, mas a ascensão para o navio. E, uma vez aparelhado o navio, depois de ele já ter adquirido o sentido de viagem, quero ouvir os meus marinheiros cantarem a princípio, não as maravilhas da ilha, mas os perigos do cerco pelo mar. Fico com a certeza de que hão de sair vitoriosos.”
A-K 10: O desafio da necessidade de reinvenção da própria governança da organização em função de uma elevação de consciência da sociedade sobre a sustentabilidade da vida e a busca do bem comum. (Necessidade de maior representatividade dos stakeholders da organização – inclusive a sociedade e a própria Natureza – transcendendo em muito os interesses tão somente do stakeholder acionista).
VM: Já mimetizamos diversas vezes a Natureza, estocando vento e sol, por exemplo, e podemos ir muito além, observando profundamente o princípio de que não existem perdas na Natureza, um ganha e o outro também ganha, nada sobra, nada se perde, não há lixo. Direcionar conscientemente as ações da organização é gerar resultados para todos.
A-K: Em sua organização, há outros macrodesafios que você avaliaria como sendo “altamente críticos”? Se houver, por favor, compartilhe-os aqui na área de comentários.
VM: Acho que há um desafio urgente entre outros desafios comuns a todas as organizações: desmascarar o pensamento cartesiano que nos vendeu a ideia de um mundo de certezas, que fragmenta a sociedade. Nunca houve certeza de nada. Desde que nos arriscamos a fazer fogo, não havia garantia de que não nos queimaríamos à beira da fogueira. Sócrates, que deu o start da maravilha da filosofia para o mundo, chegou ao fim da vida com uma única conclusão: “Só sei que nada sei”. O pensamento cartesiano incutiu em nossas mentes um temor infundado ao desconhecido, pois nós somos o mistério, antes, durante e depois da experiência nesse planeta. Nos últimos 400 anos, a ciência veio em nosso socorro, demonstrando que perguntas são muito mais importantes do que respostas. E, agora, com a Inteligência Artificial, parece que chegamos ao ápice dos questionamentos. “A ciência seleciona fatos a partir das perguntas que suscitam, da ignorância para a qual apontam”, diz o neurobiólogo Stuart Firestein, que criou um curso científico denominado “Ignorância” na Universidade de Columbia, em Nova York, EUA. Ignorância que significa a ausência de um fato, compreensão, insight ou clareza quanto a algo. “Não é uma falta de informação individual, mas uma lacuna comunitária no conhecimento. Um caso do qual não existem dados, ou, mais comumente, do qual os dados existentes não formam um todo coerente, uma explicação clara, e não podem ser usados para prever ou afirmar alguma coisa ou algum evento. Essa é uma ignorância inteligente, perceptiva, plena de insight. Ela nos leva a contextualizar melhor as questões, primeiro passo para obter melhores respostas.” Para Firestein, o cientista precisa ter fé na incerteza, prazer no mistério e aprender a cultivar a dúvida, o que deve orientar a todos nós também e, em especial, aos líderes nas empresas e na sociedade civil. “Os cientistas não são donos da ignorância. Quer estar na vanguarda? Bem, ignorância é tudo, ou quase tudo, que existe lá fora. Esqueça as respostas. Trabalhe nas perguntas.” Se por séculos o pensamento cartesiano deu conta de nos manter na zona de conforto das “certezas” e na simplificação das dualidades, hoje o mundo por si só não nos permite mais tal acomodação. Como dizia uma personagem romântica da escritora Jane Austen, “tenho saudades do tempo em que a informação estava tão distante do nosso cotidiano, que um soldado no salão de baile era tão somente o charme de uma farda”. A tecnologia nos jogou para dentro do mundo e não devemos temer, podemos amar a navegação no vasto mar de incertezas, pois as únicas certezas são as falsas certezas, construídas habilmente por um sistema que explora nossas emoções e fatura alto com nosso comodismo. Não é tão difícil como pode parecer de relance. Em 1652, nos cafés de Londres, nomes de grande projeção das ciências palestravam ao público, ao preço de um cafezinho, que comparecia em massa para entender os caminhos que levavam ao conhecimento e debater ideias fervorosamente. O Iluminismo estava nascendo na Europa. É a nossa natureza, e novamente nos chama. Afinal, ainda recorrendo a Firestein, “na escala maior está a ignorância absoluta, ou verdadeira, a ignorância representada pelo que de fato ninguém sabe em lugar nenhum – isto é, a ignorância comum a todos. E essa ignorância, ainda cheia de mistério, também está aumentando.” E por que está aumentando? Talvez porque estejamos chegando ao tempo de assumir verdadeiramente o mistério, de nos entregarmos à beleza da Vida, que sempre esteve e sempre estará em nós. Somos mistério e mergulhar no desconhecido é abrir as portas para o nosso Ser, para o infinito. Conscientes, revolucionaremos as relações de trabalho e mesmo todas as relações, com resultados desejados para todos.
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Foto da Capa: Pixabay