Entrevistei o CEO Oscar Motomura quando eu era repórter do jornal O Estado de S.Paulo, no final dos anos 80. Sua Amana-Key vinha se destacando cada vez mais no mercado com um programa de atualização e desenvolvimento de líderes, com eventos que trouxeram ao Brasil dezenas de especialistas mundiais (vários Prêmios Nobel) nas áreas de estratégia, tecnologia, ciência, economia, globalização, cultura, política mundial, etc. Em 1972, a Amana-Key – “Ama” em um dos ideogramas chineses é Céu e “Na” é Terra, assim Motomura define a empresa como “Chave para o Céu/Bem comum na Terra” – nasceu como uma empresa de consultoria estratégica, com foco em planejamento de longo prazo para organizações com problemas de resultados e mediando fusões, aquisições e negociações complexas. Quando entrevistei o CEO, ele começara programas vivenciais, de duas semanas, para o desenvolvimento de competências refinadas, como capacidade de pensar estrategicamente e inovar de forma sistêmica, habilidades em negociação/mediação, competência empreendedora interna e externa e outras, o que hoje chamamos de soft skills. E se preparava para lançar um programa pioneiro focado em tópicos de alta administração: o APG, Programa de Gestão Avançada, que se tornou o principal programa da empresa até hoje.
A conversa com Motomura me impactou muito, pela proposta e pela presença do CEO, era notável o seu domínio, visão e clareza de propósito. Desde então, acompanho o trabalho da Amana-Key para me atualizar. No início dos anos 2000, começaram os retiros de cinco dias, em imersão na sede em Cotia (SP), com o objetivo de preparar as organizações para um futuro radicalmente diferente que o século 21 anunciava. Motomura passou a dar ênfase à resolução de “equações impossíveis”, mostrando a necessidade de inovações radicais para problemas que as empresas não conseguiriam mais resolver sozinhas ou mesmo com ajuda externa tradicional. Passou a enfatizar também os desafios de integração na diretoria, entre áreas, da organização e seus stakeholders, com a própria sociedade, o país e o ecossistema maior. E da cultura organizacional, que Motomura chama de “o elo perdido da gestão”, porque mesmo CEOs/executivos de alta administração não dão a devida atenção, “por ser um assunto muito abstrato”. Ele antecipou uma discussão que hoje domina a pauta no mercado, sendo cada vez mais compreendido que as empresas precisam pensar e agir conscientes do Todo, fazendo uma “transição da economia da escassez para a economia da abundância” (leia este artigo esclarecedor e inspirador).
Em 2022, a Amana-Key lançou a pesquisa “Os 10 desafios mais críticos para a liderança de organizações públicas e privadas”. Foi uma das pesquisas mais interessantes que já vi no mundo corporativo e resolvi, na época, participar – só para esclarecer, tenho uma veia empreendedora: criei uma editora em São Paulo, fiz publicações corporativas e atualmente edito livros independentes; construí e administrei uma pousada e bistrô em Gramado/RS por oito anos e fui premiada pelo conceituado Guia 4 Rodas como um dos sete hotéis mais charmosos da cidade, em 2001. A partir de hoje, compartilho com vocês a pesquisa e minhas ideias, em quatro capítulos, convidando todos a refletirem e a também compartilharem suas ideias nas empresas e entre colaboradores diversos. São questões prementes e que ganham ainda maior evidência neste momento, com a atualização da lei NR-1, do Ministério do Trabalho e Emprego, que agora inclui a avaliação e gestão de riscos psicossociais no ambiente de trabalho. A partir do próximo dia 26 de maio, todas as empresas no Brasil serão obrigadas a implementar medidas específicas para promover a saúde mental de seus colaboradores. E só haverá saúde mental no trabalho quando houver verdadeira conexão entre as pessoas, compreensão e consciência do mundo que vivemos para que se enfrente os desafios com serenidade, com propósito – essa é a chave para o bem-estar tanto individual quanto coletivo.
A-K 1: O desafio de fazer a cultura evoluir até em antecipação a mega mudanças externas que geram reviravoltas e muitos altos e baixos em tudo o que a organização faz. (Necessidade de “disturbar” continuamente a cultura vigente para tirar a organização de zonas de conforto gerados por sucessos – cada vez mais passageiros).
VM: O desafio começa já pela extenuante atualização diária, predominantemente digital, que exige garimpar fontes de informação confiáveis e de diferentes tendências. É preciso observar o campo de atuação da empresa e também áreas distintas, mas mantendo o foco para evitar distrações irrelevantes e improdutivas. A partir daí, as informações devem servir como gatilho para um processo de reflexão, buscando ligações entre fatos – explorando atenta e principalmente as PERGUNTAS inerentes aos fatos –, análise de opiniões e pensamento crítico para contextualizar a organização no cenário externo e projetar ações condizentes com um propósito maior, exigência cada vez mais notória para se alcançar um sucesso sustentável.
A-K 2: O desafio da organização como um todo de precisar lidar com a imprevisibilidade e o desconhecido. (Necessidade de transformar “gestores do conhecido” em “executivos agoristas”, capazes de mobilizar a criatividade de grandes grupos, na busca de soluções inovadoras/refinadas de forma rápida para as equações, trazidas pelo desconhecido, sempre de forma surpreendente).
VM: O conceito de “executivos agoristas” é muito interessante: fazer as coisas acontecerem, sem se prender a longos processos e planejamentos, assumir “riscos calculados”. Para se chegar a esse ponto, é preciso disposição e coragem para se descolar do pensamento hegemônico da sociedade, sustentado em passado e futuro. Vivemos no agora, mas nos ensinaram a pensar em termos de passado e futuro, o que cada vez mais se evidencia a ficção que é. Passado é memória, que nunca é estática, pois se reinventa a cada novo acesso em nossas mentes. Futuro é idealização a partir de conceitos que ou já estão obsoletos ou não serão compatíveis com o amanhã. O futuro se antecipa quando se assume com boa disposição o agora, que é a chave para a criatividade, que desperta com força proporcional à nossa receptividade ao desconhecido e ao imprevisível, encarando cada situação nova como uma oportunidade de experimentação. Quando estamos de fato no agora, não nos angustiamos com o que está por vir, trabalhamos melhor, nos sentimos confiantes e felizes, somos artistas com nossa obra em curso, “em que as coisas em geral contribuem para a ideia particular e acabam se encaixando nela, ajudando-a e justificando-a, de modo que nada no mundo pode lhe acontecer, mesmo que surja sob a forma de um desastre ou de sofrimento, que não seja uma contribuição para seu tema”, como disse o escritor e dramaturgo Henry James.
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Foto de Capa: Arquivo Amana-Key com Oscar Motomura no centro do grupo de APG