O jornalismo é livre ou é uma farsa.
O jornalista deve manipular a linguagem como um objeto e empunhá-la como um martelo.
Rodolfo Walsh
Relendo estas epígrafes, nos indagamos: que outro fim poderia esperar esse jornalista argentino senão o seu assassinato em 27 de março de 1977 em plena rua por sicários da ditadura cívico-militar da Argentina? Walsh é lembrado por sua luta contra o terrorismo de Estado e por seu pioneirismo em escrever histórias de acontecimentos reais como “Operação Massacre” e “Quem Matou Rosendo”.
Especialmente conhecido como opositor da ditadura que governou a Argentina entre 1976 e 1983, integrou o grupo dos Montoneros. Não querendo sair do país e assistindo ao massacre generalizado de seus companheiros, passou a difundir uma série de “Cartas Polêmicas”. Uma delas foi a famosa “Carta aberta de um escritor à Junta Militar”. Em 25 de março de 1977, enquanto colocava cópias da carta em caixas de correio, foi emboscado e crivado de balas por uma organização anticomunista que operava (e assassinava) livremente com apoio integral do Estado. Seu corpo nunca foi encontrado e é um dos 30 mil jovens que desapareceram nas mãos das matilhas genocidas a serviço da ditadura argentina daquela época sombria.
Como jornalista e escritor, Rodolfo Walsh dizia que naquele momento da história era impossível fazer literatura desvinculada da política. E o problema que enfrentava na sua atividade de escritor e de militante era conseguir fazer uma literatura a serviço da causa revolucionária. Mas esta literatura, segundo ele, necessitava de uma forma inédita que revelasse fielmente o conteúdo tão importante e grave no qual viviam os argentinos, isto é, o compromisso feito com uma forma literária cujas relações com a verdade se baseasse na apresentação documentada dos fatos.
Por apresentá-los e não representá-los. Porém, esta variação deveria revisar a própria estrutura da ficção, o vínculo não entre literatura e política – embora não seja possível se afastar dele – mas entre a ficção e a verdade.
O ano de 1976 representou uma alteração na vida de Rodolfo Walsh. Depois do assassinato de sua filha Victoria e de seu amigo, o poeta e militante Paco Urondo, o jornalista que às claras combatia com as palavras, passou para a clandestinidade armada. Em dezembro desse ano, Walsh publicou uma mensagem chamada “Carta a meus amigos” na qual relata os fatos que resultaram na morte de sua filha. Em 29 de setembro de 1976, sua filha María Victoria – um dia após fazer 26 anos – morreu ao enfrentar um pelotão do Exército. Ao se ver cercada e sem possibilidade de fugir do terraço de um edifício, ela e seu amigo Alberto Molina levantaram os braços e, depois de um breve discurso que terminou com a frase: “Vocês não nos matarão, nós decidimos morrer”, ambos se suicidaram.
A referida carta termina com uma reflexão.
“Com o tempo, tenho pensado e me perguntado se minha filha, se todos os que morreram como ela, teriam outro caminho. A reflexão brota do mais fundo de meu coração e quero que meus amigos a conheçam. Vicki poderia ter escolhido outros caminhos sem serem desonrosos? Penso que ela escolheu o mais justo, mais generoso e mais razoável. Sua lúcida morte foi uma síntese de sua curta, mas formosa vida. Não viveu para ela, mas para os outros e esses outros são milhões. Sua morte foi gloriosamente sua, esse orgulho eu tenho e sou eu quem renasce dela”.
Sua outra filha, Patricia, é uma dirigente política, foi deputada pela Coalisão da Esquerda Unida e desde 2007 é vereadora em Buenos Aires.
Com os emergentes esgares nazifascistas que se observam atualmente em nosso país e em várias partes da Europa e dos EUA, pensamos que os exemplos dos bravos combatentes antifascistas argentinos e particularmente tendo em mente a história de Rodolfo Walsh, intelectuais e jornalistas autênticos e independentes devem participar lucidamente no momento histórico em que vivemos, se manifestar politicamente com veemência e se dar conta de que” numa hora dessas”, poesia e futebol não são as prioridades vitais e urgentes do Brasil e dos brasileiros.
Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
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Foto da Capa: Reprodução