Há anos, nem lembro quando foi, numa ida à dentista, ela me disse que alguns dos meus dentes estavam desgastados e perguntou se, ao dormir, eu pressionava os dentes. Fiquei sabendo que 40 a 75% da população possui algum sinal de Disfunção Temporomandibular (DTM), então, eu provavelmente faria parte desta estatística. Para evitar um desgaste maior, resolvi que passaria a usar uma placa de proteção, conhecida como “placa de bruxismo”. Me adaptei bem e usei por longo tempo até que um dia derrubei e quebrou a tal placa de acrílico. Fizemos outra e continuei usando sem problemas. De tempos em tempos, a dentista fazia uma revisão.
Agora, em consulta recente com a neurologista, que tenta descobrir as causas das minhas enxaquecas, embora eu as tenha desde criança, ela me perguntou se eu tinha bruxismo. Informei que há muitos anos uso uma placa para dormir. A neurologista então sugeriu uma consulta com um(a) especialista em bruxismo e lá fui eu em mais uma tentativa de achar as causas das dores de cabeça.
A tal especialista me colocou um capacete e encheu a cabeça de eletrodos, inclusive um ímã colado nos dentes, e fez vários testes de mastigação visando identificar a distribuição da força na mordida entre os músculos masseter, que fica localizado na lateral da face, e o músculo temporal, que está na região temporal da cabeça e que tem a função de apenas ajudar a elevar a mandíbula. Se o músculo temporal precisar trabalhar muito, poderá se sentir explorado pelo masseter e, em protesto, provocar uma dor de cabeça. Descobri também que a nossa bochecha é muito musculosa e a dentista me recomendou aproveitar a água morna do banho para fazer umas massagens nas bochechas. Me disse que nossos dentes só devem se tocar na mastigação, o restante do tempo deveríamos mantê-los afastados. Isto tudo ocorreu na primeira consulta, agora preciso fazer umas radiografias e voltar para ver qual será o encaminhamento. Eu acredito nos tratamentos convencionais, na tecnologia, mas gosto também de buscar outras opiniões e os tratamentos alternativos.
Por indicação de amigos, cheguei numa massoterapeuta que trabalha com terapias reichianas, ou seja, que segue as teorias de Wilhelm Reich, um discípulo de Freud que acreditava que o corpo responde à repressão gerando tensão muscular e que estas se traduzem em dores crônicas e doenças. Na primeira consulta, ao fazer a anamnese, ela me perguntou como foi meu parto. Eu respondi que era muito pequeno para lembrar e que a minha mãe e o médico já faleceram. Como ninguém filmou, ficaria difícil de saber. Percebi que ela não gostou da piadinha e resolvi levar a sério. Entendi que as perguntas relativas ao parto, desmame, relação afetiva com os pais, dificuldades escolares, satisfação na ocupação atual, etc., tudo isto tem muita relação com a teoria do Reich.
Numa massagem reichiana, a terapeuta consegue perceber as tensões crônicas, que talvez a pessoa não as identifique. As tensões que a gente costuma sentir são nos ombros e no pescoço, mas elas estão presentes em várias partes do corpo e podem ter sido geradas desde o nascimento, daí a importância das informações sobre o parto e os primeiros anos de vida, ou de situações estressantes ou frustrantes que vivemos em algum período da vida. Estas tensões formam o que Reich chama de “couraças musculares”. Segundo esta teoria, as memórias intelectivas são fixadas nas células nervosas e as memórias emotivas são inscritas nas estruturas musculares. Em outras palavras, as couraças musculares são tensões que limitam o movimento, a respiração e a emoção. Elas surgem como um mecanismo de defesa do corpo para evitar experiências dolorosas e ameaçadoras.
Eu estava consciente de que teria algum desconforto na massagem, mas as minhas couraças eram maiores do que eu imaginava e foi muita dor. O interessante é que a terapeuta incentiva a pessoa a se expressar, a gritar e bater as mãos e os pés na maca quando sente a dor. Não é para bancar o “valentão” e esconder a dor. Depois que terminou, veio uma sensação de alívio tão boa, que eu cheguei a pensar que tinha morrido e estava no céu.
Mas o que a massagem usando terapia reichiana tem a ver com a placa do bruxismo? Tudo a ver! A tensão no ombro pode provocar a dor na cervical, o bruxismo, a dor de cabeça e outras dores. Nosso corpo é um organismo ligado por muitas linhas, como se fosse um boneco de marionete, ao movimentar uma parte reflete nas demais. Não sei se vou conseguir melhorar das enxaquecas, mas o fato de ter tido acesso a estes conhecimentos e a oportunidade de me autoconhecer já valeu o investimento. Se você tiver interesse, leia sobre o assunto. Me parece que faz muito sentido que, para tornar um corpo saudável, é preciso “desatar os nós” e permitir que essa energia circule livremente da cabeça aos pés e vice-versa.
Referência:
Metodologia Vegetoterapia Caractero-analítica. Frederico Navarro. Summus Editora, 1996.
Foto da Capa: Gerada por IA / Freepik
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