Faz tempo que novembro me engasga. Os últimos três anos foram piores. Em pleno processo de isolamento, sensibilidades expostas e o episódio George Floyd, nos Estados Unidos, morto estupidamente em maio de 2020, teve reprodução exatamente no dia 19 de novembro do mesmo ano, com a morte de Jorge Alberto dentro de uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre. Em 2023, apesar da profusão de eventos e atividades relacionadas à cultura negra sobrepostas em um calendário como se não tivéssemos agenda em outros meses, vemos menos espaço na publicidade das grandes empresas. Estão mais criteriosas? Ou mais ressabiadas? Não tenho uma resposta concreta. É de tudo um pouco. Na minha percepção, as pessoas brancas (e suas empresas) estão mais acuadas. Não adianta fazer um discurso vazio. É tiro no pé mostrar um comercial belíssimo protagonizado por belos negros e negras e continuar não tendo nenhum preto ou preta em cargos de liderança, continuar não tendo pretos e pretas em cargo algum. Olhe para os lados, pense, conclua.
Pois bem, por conta das minhas questões paralelas, eu mesma enveredei pelo campo do “novembro negro” e realizei uma edição do projeto Mesa de Cinema, desta vez em homenagem ao rapper Emicida. Foi agora, no último sábado, dia 18. Não foi por “entrar na onda”. Faz tempo que estou num processo pessoal de conscientização e aos poucos vou colocando para fora os reflexos disso. Foi um encontro forte, difícil de elaborar tudo que se viu e se ouviu e se refletiu. Mas como tudo acaba não em samba, mas em torno de uma grande mesa, ao final, estávamos todos em clima de esperança, de união e de algumas certezas.
Quando eu encarei aquela plateia com praticamente 50% do público negro, parte da minha família ali incluída, mais o povo da Odabá – Associação de Afroempreendedorismo aquilombado em duas ou três fileiras, gente linda, gente preta, a imagem bateu na retina e se instalou no coração. E eu não consegui falar o que havia preparado. Engasguei-me. Então o espetáculo continuou em mim. Chamei o brilhante crítico Roger Lerina que pontuou magistralmente os detalhes que fazem AmarElo ser o que é: excepcional. E então entrou em cena a Nina Fola com a excelência que lhe compete. Abriu com um cântico, seguiu com um poema e então praticou uma verdadeira cirurgia para extirpar ilusões, mal-entendidos, e mostrar por A + B que, sim, vivemos o racismo a todo instante e não há mais peneiras para esconder. É hora de encarar e mudar.
Assim resolvi partir para mais um capítulo, agora explicitamente comprometido com a transformação social. A edição de sábado marcou uma transição significativa, não apenas na temática, mas no propósito do evento. O aroma de mudança pairou no ar e, com ele, uma promessa de enriquecimento não apenas gastronômico, mas também intelectual e social.
Somos uma estratégia prazerosa de mudança interna e externa nas empresas na luta antirracista. É um compromisso para ir além das mesas fartas e deliciosas que já nos encantam. Agora, o projeto abraça uma linha engajada, mergulhando nos pontos-chaves de filmes gastronômicos de diversas origens, não apenas para deleite do paladar, mas também como veículo de conscientização sobre questões cruciais: diversidade, racismo e inclusão.
Ao unir o prazer da culinária à reflexão social, o Mesa de Cinema traz uma proposta única e inspiradora. Cada filme, cada prato, cada encontro passa a ser uma oportunidade para promover diálogos necessários sobre as complexidades da sociedade em que vivemos. Não se trata apenas de saborear novos sabores, mas de degustar novas perspectivas e compreensões. Através da comida, fechamos o ciclo de percepção e aprendizado cultural. Do debate para a mesa, a conexão está feita.
Criado em 2005 como ferramenta de visibilidade e de marketing de relacionamento, cumprimos o ritual de conectar pessoas, saciar desejos. Conhecemos culinárias e chefs de várias latitudes. Comemos pratos e filmes franceses, dinamarqueses, italianos, gregos, japoneses, indianos, espanhóis… poucos brasileiros, raríssimos africanos.
Chegou a hora de mudar. Vamos nos aprofundar em nossa ancestralidade africana.
A edição com o documentário AmarElo mostrou que isso é possível. Ou melhor: necessário. Essa é a nova trilha do Mesa de Cinema.
Vem junto.