Cau (Luiz Carlos Cancellier de Olivo), filho de Vitório Lorenzi Cancellier e Madalena Furlan; os avós de Cau imigraram da Itália para Tubarão/SC; apesar do “z”, seu nome foi homenagem a Luís Carlos Prestes; era o irmão do meio, sendo Acioli o mais velho e Júlio o caçula; nunca foram batizados, pois apesar da mãe ser católica, o pai era antirreligioso.
Cau era franzino, de esquerda e tinha asma; adolescente, em Tubarão, criou o jornalzinho mimeografado “a Construção”.
Cau passou pra Direito em Florianópolis, em 1977, abandonou Tubarão e o jeito franzino: agora tinha um 1,90m; um alto que falava baixo, gostava de ler e de política; logo em seguida trancou a faculdade, entrou pra oposição, acompanhou a campanha de Nelson Wedekin, advogado que defendia os presos políticos na ditadura; viria se tornar seu grande amigo.
Cau trabalhou no jornal O Estado, onde conheceu a diagramadora Cristiana Vieira; demorou pra conquistar Cris que na época tinha namorado; Cau pedia pro rapaz do Telex produzir textos falsos para colocar na mesa dela: “Jornalista em perigo apaixonado por diagramadora amadora”; um dia Cris aceitou sair com Cau, ele pegou ela de moto e foi para o Macarronada Italiana, na Beira-Mar Norte em Floripa; lá trabalhava o garçom Andrade, ou simplesmente Zé; Zé sabia que Cau pedia sempre talharim ou lasanha à bolonhesa; o convite pro casamento de Cau e Cris foi um jornalzinho chamado “Acredite, se Quiser” escrito por ele e diagramado por ela.
Cau e Cris tiveram o filho Mikhail, em 06 de junho de 1987; o nome foi sugerido por Cau em homenagem Mikhail Gorbatchóv e Mikhail Bakhtin; Mikhail rendeu uma nova edição do jornalzinho Acredite se Quiser; tiveram problema na hora de batizar Mikha, que tinha um avô paterno anarquista, avô materno espírita, avó materna católica e pais agnósticos; além disso, o padre queria trocar o nome dele pra Miguel; mas deu tudo certo no final.
Cau, Cris e Mikha se mudaram pra Brasília quando Nelson Wedekin tomou posse como Senador por Santa Catarina; Cris foi ser secretária de gabinete; Cau assessor de imprensa do Banco Nacional de Crédito Cooperativo.
Cau voltou pra faculdade de direito em 1996 depois de Wedekin largar a política; se formou em 1998; fez mestrado; completou o doutorado em 2003; passou em 1º lugar no concurso pra professor da UFSC em 2005; chegou a reitor 18 anos depois de ter se formado: foi eleito em 11 de novembro de 2015 e tomou posse em 10 de maio de 2016.
Cau e Cris se separaram em 2006; ele foi morar em um apartamento de classe média a poucas quadras da UFSC; sua vida havia se tornado a UFSC.
Os fascistas mataram Cau
- 14 de setembro de 2017: a Operação Ouvidos Moucos era anunciada na página do Facebook da Polícia Federal: combate desvio de mais de R$ 80 mi de recursos para EaD; 105 policiais federais cumprem 16 mandados de busca e apreensão, 7 de prisão temporária e 5 de condução coercitiva, além do afastamento de 7 pessoas das funções públicas que exercem na #OpOuvidosMoucos.
- A PF seguiu pro o prédio ao lado da UFSC; mandou o porteiro liberar o acesso para o apartamento 302 do bloco C; Cau atendeu a porta enrolado numa toalha; Cau foi preso.
- A Imprensa foi previamente avisada pela PF e transmitiu a ação ao vivo; Cau foi levado para a sede da PF em Florianópolis; aguardou seu depoimento escoltado por 4 policiais armados de escopetas.
- Levaram Cau pro Presídio da Agronômica; foi submetido a revista íntima, teve os braços algemados; recebeu correntes marca-passo nos pés e uniforme laranja; primeiro foi colocado em uma jaula do lado de fora da Penitenciária com o rosto virado pra parede; depois foi pra uma cela com um beliche de concreto (boi), um buraco no chão de privada e uma torneira que servia a água potável e também de descarga.
- A PF disse que Cau era o líder da quadrilha que havia desviado R$ 80 milhões em cursos de Educação a Distância do Programa Universidade Aberta do Brasil feito pra capacitar professores da rede pública; R$ 80 milhões era o valor total desse programa; a maior parte desse valor chegou à UFSC entre 2006 e 2015; Cau só assumiu como reitor em 2016.
- Érika Marena era a delegada chefe da Operação Ouvidos Moucos; deixou (ou foi afastada?) a (da) força-tarefa da Lava Jato em Curitiba no final de 2016 e foi ocupar a Delegacia de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro da PF em Florianópolis; no posto anterior, teve a ideia de batizar a força-tarefa de Curitiba como Lava-Jato.
- Érika estava como Moro, Deltan e Bretas na avant-première do filme Polícia Federal: A lei é para todos, no qual Flávia Alessandra interpretava a delegada Bia inspirada nela.
- Érika, segundo o Intercept, trocou mensagens no Telegram com Deltan Dallagnol, em 12 de julho de 2017, dizendo que tinha descoberto o desvio de verbas da Petrobrás através da UFSC: “-Deltan, descobri um novo jeito que a Petrobras vinha mandando dinheiro para os partidos … através de dinheiro dado a projetos das universidades federais! Eu estou aprofundando desvios da educação em casos aqui em SC (…) o dinheiro chega para a universidade, que dá na mão da fundação para gerir (desviar), ou a Petrobrás pula a universidade e faz o contrato (mutreta) direto com a fundação, e dali são os valores são enviados para onde se quiser, do jeito que quiser, sem qualquer prestação de contas a quem quer que seja….”
- Érika estava animada para levar a Lava-Jato para dentro das unidades segundo outra conversa com Deltan vazada pelo Intercept do dia 13 de julho de 2017: “-Deltan, com esses milhões e milhões da Petrobras jogados nas universidades federais, podemos levar a LJ para a educação…”
- Érika parecia querer voltar pra Lava-Jato, pros filmes, pras avant-premières, coletivas de imprensa, reportagens do JN.
- Finalmente soltaram Cau, mas o proibiram de entrar na UFSC.
Os fascistas mataram Cau
Cau saiu da prisão, chegou em casa, abraçou Mikha e disse que “não iria lhe pedir desculpas porque ele não tinha que se desculpar por uma coisa pela qual não tinha responsabilidade”.
O irmão de Cau passou no Macarronada Italiana pra comprar comida pra Cau jantar no apartamento.
16 de setembro de 2017, o senador Nelson Wedekin divulgou a defesa pública do seu velho amigo: a prisão de Cancellier foi um ato despropositado, uma decisão atrabiliária. Uma inaudita violência. As autoridades que tomaram a decisão não se deram conta da desproporção que existe entre o bem que se pretendia preservar e o mal sem cura que dela resultou.
Cancellier será finalmente absolvido, mas a sua reputação foi abalada sem remédio e para sempre. As autoridades responsáveis, os algozes, continuarão na ativa ditando normas, regras, sentenças, e quando errarem, como agora, o azar será de quem atravesse o caminho. Não correm nenhum risco de pagar pelo exagero, leviandade e inconsequência. Me desculpe, mas isso não é Justiça.
Cau foi Macarronada Italiana no domingo; lá Zé o viu cabisbaixo:
“-Não estás legal, não estás bem…”
“-Estou bem, Zé.”
“-E o Cauzinho?”
“-O Mikha está bem.”
“-E tu, Cau, como estás? Como está a política?”
“-Me afastei da política, não estou mais na política.”
“-Vamos sentar.”
“-Não, Zé, vim só te ver, tomar um cafezinho contigo e dar um abraço. Estou com saudade de ti.”
“-Cau, fala pra mim o que você tem…”
“-Estou bem, Zé.”
Cau abraçou o Zé, deu um beijo nele, disse adeus e saiu.
Cau ligou pra Mikha que não atendeu; então ele deixou uma mensagem na caixa postal dizendo que o amava e admirava.
Cau foi para o Shopping Beira-Mar Norte na manhã seguinte; pegou o elevador até o 7º andar; se aproximou da escada rolante, colocou a mão no corrimão e deu um pequeno impulso, suficiente para que seu corpo caísse os 37 metros até o chão.
Cau tinha no bolso um bilhete: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”
Taparam o corpo de Cau com uma lona preta.
Depois da morte de Cau, Deltan mandou mensagem de apoio à Érika de acordo com o Intercept: “-Erika, eles não prevalecerão. É um absurdo essas críticas. Um bando de – perdoe-me – imbecis”.
Os fascistas mataram Cau
Cau voltou a primeira vez pra UFSC depois da prisão dentro de um caixão lacrado sob os aplausos de centenas de alunos, professores e servidores.
Rosi Côrrea de Abreu discursou pelos servidores técnico-administrativos: “-Esperamos que esta dolorosa partida sirva de reflexão para todos, especialmente aqueles ávidos por holofotes, que, entorpecidos por ego e vaidade, extrapolam suas funções”…
Leonardo Moraes falou em nome dos estudantes: “-Aqui mais uma vítima da canalhice do estado de exceção… Um processo arbitrário conduzido por uma delegada possivelmente inconformada por ter sido afastada da Lava-Jato”.
Roberto Requião homenageou Cau no Senado Federal:
Talvez fosse pedagógico, ou mesmo um exercício indispensável, que se estudasse a ascensão do fascismo na Alemanha, Itália, Espanha, Portugal. E o fenômeno do macarthismo nos Estados Unidos. Se o assim o fizéssemos, dispararíamos todas a sirenes de alerta para avisar essa pátria tão distraída que o monstro vem aí.
Érika Marena foi promovida à superintendente da PF em Sergipe; depois foi promovida pelo Ministro Sérgio Moro para o comando do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional em Brasília.
Como havia previsto Wedekin, em julho de 2023, o Tribunal de Contas da União absolveu Cau de todas as acusações (“Cancellier será finalmente absolvido, mas a sua reputação foi abalada sem remédio e para sempre”).
Os fascistas mataram Cau
Chegaram com seus facões, tochas e forcados, todos “cidadãos de bem” na luta gloriosa contra a corrupção, dispostos a tudo pela justiça implacável, justiça padrão Lava-Jato.
Essas mãos empurram Cau naquele shopping: mãos de canalhas, sádicos, patifes, adictos da fama fácil, das coletivas de imprensa; heróis fajutos, sepulcros caiados, farsantes que constroem suas carreiras sobre cadáveres de gentes e reputações, sempre dispostos a agradar sua turba de gente ruim, tosca, rasa, manipulável, chula, fascistóide, que ressignificam suas vidas desgraçadas no sofrimento alheio.
Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque sois parecidos aos túmulos caiados: com bela aparência por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e toda espécie de imundície! (Mateus 23:27)
Os fascistas mataram Cau.
Fontes:
- Markun, Paulo. Recurso Final – A investigação da Polícia Federal que levou ao suicídio de um reitor em Santa Catarina. RJ: 2021, 1a ed., Ed. Objetiva.
- Intercept
- Notícias da UFSC