Hoje quero falar de um livro que tive o prazer de acompanhar desde o início com alegria e entusiasmo – da seleção dos textos, à revisão, produção, até o lançamento. E é mais um que recomendo a leitura: Os Filmes Pensam o Mundo (EdiPUCRS/2021). Passaporte para uma viagem instigante pelo universo do cinema, mais especificamente pelo fazer e o pensar cinematográficos e suas tantas nuances. Nesta viagem somos conduzidos pelas reflexões do crítico de cinema, filósofo, psicanalista e economista Enéas de Souza, que trazem referências fundamentais sobre pensar o cinema que, consequentemente, pensa o mundo. O autor enfatiza o poder da imagem, do olhar do diretor e do caminhar dos atores que, em cena, traduzem esse emaranhado inesgotável de ação e reação para transformá-lo em arte – movimentos que descortinam vidas, subjetividades, fantasias, desejos, limites, desespero e embates do cotidiano mais banal ao mais trágico.
Poético e realista, com um domínio incrível da linguagem, Enéas assume sua grande paixão pela ficção, pelo pensar e pela alegria de ir ao cinema, que define como “uma festa da afetividade e do pensamento”.
Ao falar sobre os filmes, Enéas fala de nós e das aldeias que construímos. Fala do mundo, da política, de questões sociais, do caminhar da humanidade, de uma maneira de aprender que possibilita a construção de identidades e do entendimento da complexidade do existir. Ele diz: “Para minha geração o cinema – em tela grande – foi uma forma de aprender sobre a vida e de contribuir para armarmos um pensamento sobre o cinema, sobre o Brasil e o mundo”. Uma paixão que é também ambição: “Uma forma de cada um desejar ser em movimento, em vir a ser, sempre tentando criar e inventar, provocar novos engenhos a partir do cinema e da vida. Porque a vida nos força a pensar e nos convoca a tomar posições”. O cinema acolhe sem acomodar porque instiga, mexe com nossas certezas, revira o já dado como certo e inquestionável. O cinema inquieta. E a leitura do livro aguça a vontade de “ver, rever, tresver” todos os filmes comentados e citados, como costuma fazer o autor.
Esta viagem proposta por Enéas teve origem nos artigos que escreveu entre 2003 e 2019 para a Revista Teorema, publicação gaúcha de crítica de cinema de periodicidade semestral, editada por ele, Ivonete Pinto, Marcus Mello, Mílton do Prado, Fabiano de Souza e Flávio Guirland. O livro divide-se em duas partes. A primeira parte reúne artigos publicados até o número 31 na revista – “Textos sobre filmes que escolhi, sobre filmes que meus colegas me sugeriram, sobre filmes que optei entre os que estavam em exibição”, explica Enéas. Para ele, “A importância da publicação é a possibilidade de observar um pensamento sobre o cinema e sua crítica, sobre a realidade e o real se fazendo, se transformando, dando novas figuras à história. Certamente, cada artigo lido e aglutinado aos demais, encontrará outras relações e distintas convivências, entrará em novos círculos e diversas configurações”.
Na Parte 1, o autor destaca o Cinema Brasileiro com 10 textos; o Cinema Americano, também com 10 textos e Outros Cinemas, como o sueco, o francês, o russo e o italiano.
Na Parte 2, intitulada Cinema é energia, ficção e pensar, Enéas volta a falar sobre a força do cinema e o poder desafiador da ficção, que desnuda e seduz o expectador. Com o cenário montado, ele então joga luzes nesta sedutora aventura de fazer arte com uma duração limitada, que pode ser revisitada inúmeras vezes. E cada visita feita será sempre uma experiência inusitada.
Vale repetir que para Enéas, “Cinema é ver, rever e tresver. Partindo da ideia ficcional sensível, o espectador pode montar, desmontar e remontar a ficção e o pensar a partir de uma atitude crítica”. A contribuição do crítico, segundo ele, pode ser relevante, mas o que possibilita tal relevância é a ideia ficcional sensível – “Por isso, o cinema na cultura é um jogo e uma festa da ficção e do pensar, trajetória que vai do questionamento da existência à alegria de viver”. Uma festa que, para além do estímulo, nos torna testemunhas da turbulência dos tempos, sempre cheios de interrogações e provoca a necessária reinvenção do viver.
O livro termina com a lista de todos os filmes comentados e uma vasta bibliografia, o que sugere outras tantas viagens e outros tantos devaneios pelo universo cinematográfico.
*Enéas também é autor do livro “Trajetórias do Cinema Moderno”, um clássico da literatura cinematográfica lançado em 1965, que ganhou uma nova edição em 2007, através da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.