Depois de assistir uma palestra do navegador Amyr Klink em Porto Alegre, fui convidado pelos organizadores para ir jantar com eles e tive a oportunidade de sentar-me na frente do Amyr e da Marina, sua esposa. Fiquei encantado com a simplicidade e com as histórias que ouvi. Sebastião Salgado é outra pessoa que admiro muito, sempre gostei das suas fotos, mas recentemente conheci melhor a sua vida e obra e percebi que existem muitas coincidências com a do Amyr. Os dois estudaram graduação em Economia, o Sebastião na UFES e o Amyr na USP.
Mais tarde o Sebastião fez mestrado em economia na USP e doutorado na França. Os dois desejaram ser engenheiros. Ambos são engajados nas questões ambientais, Sebastião tentando recuperar o Rio Doce e Amyr com projetos para o Rio Pinheiros. São duas pessoas que passaram por mundos desconhecidos e que são extremamente dedicados e apaixonados pelas suas causas.
Imagine um fotógrafo acompanhando exilados por áreas minadas, ou um navegador que usou técnicas semelhantes as do Pedro Álvares Cabral para se orientar em meio aos oceanos. Eles são exemplos de pessoas que viveram os seus sonhos, por mais impossíveis que parecessem para os outros. Resolvi então compartilhar aqui algumas das suas experiências e mostrar que, na minha percepção, estes deveriam ser os influencers que a sociedade precisa.
O Amyr conta que foi lendo as histórias de grandes navegadores que se apaixonou pela navegação e, em 1984, resolveu construir um barquinho a remo e com ele atravessou o Atlântico Sul em 100 dias, coisa que ninguém ainda havia feito. Sua motivação não era ser recordista ou se tornar herói nacional, ao contrário, frustrou a mídia na chegada, pois resolveu ficar seis horas dentro do barco ouvindo o vento, ao invés de descer e ser ovacionado pelos que o aguardavam. Depois disto viveu experiência inacreditáveis, como passar 642 dias sozinho num barco, um inverno todo encalhado propositadamente na Antártica. Ao retornar, ele resolveu dar “mais uma voltinha” e foi do Polo Sul ao Polo Norte antes de chegar em Paraty, RJ, de onde havia partido.
Em outra aventura fez a volta ao mundo em 88 dias pela rota mais rápida e mais difícil, atravessando os oceanos Atlântico, Índico e Pacífico, novamente sozinho. Nas primeiras viagens não existiam GPS, celular e osmose reversa para dessalinizar a água e foi necessário aprender como superar todas as dificuldades. Todas estas experiências resultaram em histórias, livros e lindas fotos.
Sebastião Salgado trabalhou na Organização Internacional do Café e viajou muito pela África. Começou a fotografar nas viagens a trabalho e se apaixonou pela fotografia. Viveu um grande dilema, deixar um ótimo emprego e uma vida confortável em Paris para iniciar uma profissão que nem sabia se conseguiria emprego. Inicialmente trabalhou para agências de notícias e depois passou a fazer da sua câmera o microfone dos excluídos. Publicou suas fotos em livros e fez exposições como “Outras Américas”, onde mostrou os pobres na América Latina. Depois vieram trabalhos magníficos como “Trabalhadores rurais”, “Serra Pelada”, “Êxodo”, “Gênesis” e mais recentemente “Amazônia”. Ele ganhou praticamente todos os prêmios existentes no mundo pelo reconhecimento do seu trabalho. O documentário “O Sal da Terra” foi indicado para o Oscar.
Vejo também muitas semelhanças na relação com as esposas e na influência que elas tiveram na vida deles. A Lélia foi quem incentivou Sebastião a largar o emprego e correr atrás do seu sonho. Quando nasceu o filho com Síndrome de Down e com uma série de complicações de saúde, foi o amor que ela tinha pelo filho que fez Sebastião aceitar e perceber que o menino tinha capacidades incríveis, que os ditos normais não possuíam. Ela assumiu a produção dos livros dele e foi dela a iniciativa de plantar dois milhões de árvores e transformar uma área degradada de 600 hectares num oásis em Aimorés, MG.
Marina também foi muito mais do que uma companheira apoiadora do marido. Quando Amyr conseguiu o dinheiro necessário para comprar um apartamento, ele propôs casamento para a namorada. Ela aceitou casar-se, mas propôs que ele investisse todo aquele dinheiro na conclusão do seu barco. Quando as filhas gêmeas tinham 7 anos e a mais nova 5 anos, ela achou que já era hora de compartilhar com as filhas os gostos dos pais e a família embarcou numa viagem para a Antártica.
Ainda menina, a filha Tamara contou ao pai que desejava ser velejadora, Amyr apoiou, mas disse que nunca lhe daria um barco e se ela quisesse navegar teria que construir o seu barco, com os seus recursos. Ela entendeu a lição e não deixou de sonhar. Quando menos esperava, o amigo de um amigo lhe vendeu um barco velho pelo preço de uma bicicleta. Com 24 anos, ela reformou o barco e iniciou uma travessia sozinha da Noruega ao Brasil. A família soube da viagem na véspera da sua partida. Ela teve na mãe o seu suporte em terra. Mãe e filha acreditam que a navegação também é para mulheres. Os especialistas apostavam que ela não chegaria ao Brasil e alegavam que o barco de oito metros era muito precário. Em primeiro de novembro de 2021, Tamara chegou em Recife e disse que “o melhor barco é aquele que a gente tem”.
Me emocionei muito com os relatos de Sebastião, Amyr e Tamara e recomendo que você leitor acesse os links em anexo e se encante com suas histórias. Enfim, eu respeito quem segue os influencers que se tornaram conhecidos por participar de um Big Brother, porque anunciam produtos ou pelos relatos das suas viagens, mas lamento que a juventude e a sociedade em geral não sejam mais “influenciadas” por experiências como as de Sebastião, Lélia, Amyr, Marina e Tamara. Muito mais do que as aventuras que viveram, são pessoas com enorme empatia, engajadas e despojadas de fama e riqueza. Acredito que as histórias de vida dos outros tem o poder de transformar as nossas. Com eles aprendo e me inspiro. Quero ser influenciado por estas pessoas.
“Para o mar não importa de quem eu sou filha, quem eu sou ou de onde eu venho!” – Tamara Klink.
Referências:
Roda Viva – Sebastião Salgado – https://www.youtube.com/watch?v=clQKBpilxR4
Drauzio Varella entrevista Sebastião Salgado – https://www.youtube.com/watch?v=4l3bZVZSZPI
#Provoca – Amyr Klink – https://www.youtube.com/watch?v=QSTLCLKrjhM&t=1351s
Drauzio Varella entrevista Amyr Klink – https://www.youtube.com/watch?v=mBoYpZENz2Y
#SAL 189 – Tamara Klink – Segredos da Travessia – https://www.youtube.com/watch?v=I38MCNpaB4s
#SAL 190 – Tamara Klink – O que rolava na cabeça de Tamara Klink durante a travessia? https://www.youtube.com/watch?v=tFAuzHWcboY