“Nós encontramos o inimigo, e ele somos nós”. Essa frase foi popularizada por um quadrinho do americano Walt Kelly, publicado em 1970. Ele se referia à poluição por lixo. Agora, o inimigo está ainda mais perigoso.
Quando surgiram os primeiros alertas, ainda no século XIX, de que os gases de efeito estufa emitidos pelos humanos poderiam causar o aquecimento da atmosfera, eles foram ignorados. Na verdade, até a década de 1950, a preocupação maior era com uma nova era do gelo.
Hoje os cientistas já sabem que ela não virá tão cedo.
Ao longo de sua história geológica, de bilhões de anos, a Terra experimentou frequentes mudanças no clima e na temperatura da atmosfera. Então, antes de chegarmos à hipótese de que o atual aquecimento é causado pela ação humana, precisamos eliminar a possibilidade de que o que estamos vendo não é apenas mais um ciclo natural de aquecimento e resfriamento.
O atual aquecimento, assim como o aumento da concentração de CO2 na atmosfera, está sendo extremamente rápido. Em pouco mais de 200 anos, a atmosfera aqueceu 1,4oC e o teor de CO2 aumentou 50%. É muita coisa em muito pouco tempo!
Vulcanismo e ciclo orbital
As causas mais frequentes das variações de temperatura na história do planeta foram (1) períodos de vulcanismo muito intenso (vulcões expelem gases de efeito estufa, tais como o CO2, e o dióxido de enxofre – SO2) e (2) variações na forma da órbita da Terra e na inclinação do seu eixo (esses dois últimos chamados de ciclos orbitais – que afetam a quantidade de radiação solar que atinge o planeta). Há outras, mas são muito lentas, e não podem ser consideradas nesse caso.
Ainda assim, os ciclos associados ao vulcanismo e às mudanças orbitais duram de milhares a milhões de anos. Alguns são até rápidos do ponto de vista da história geológica, mas lentos na escala da civilização humana. Além disso, não têm sido detectadas mudanças na atividade vulcânica e qualquer tipo de variação orbital que expliquem a taxa de aquecimento que estamos observando.
Manchas solares e correntes oceânicas
Sendo assim, que outros processos naturais poderiam causar mudanças mais rápidas na temperatura global? Há dois fenômenos que podem provocar ciclos mais curtos. A variação na quantidade de manchas solares e a dinâmica das correntes oceânicas.
As manchas solares são regiões de temperatura reduzida na superfície do sol. A quantidade de manchas solares é variável, e isso afeta a intensidade de radiação solar que atinge a Terra. Elas apresentam ciclos de diferentes durações. Um desses, o mínimo de Maunder, pode ter causado a pequena era do gelo que ocorreu entre 1645 e 1715. Há previsões de que isso pode voltar a acontecer a partir de 2030. Isso quer dizer que a Terra vai resfriar.? A resposta é não, e para concluir isso basta vermos alguns números.
A radiação solar que atinge a Terra é de cerca de 1365 W/m2 (Watts por metro quadrado – Watt é uma unidade de potência – conhecida por usarmos para avaliar lâmpadas e eletrodomésticos). O impacto das variações de radiação relacionados com a atividade das manchas solares, como o mínimo de Maunder é de cerca de 0,21 W/m2. Segundo dados do IPCC (sigla em inglês do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da ONU) o impacto do aumento dos gases estufa é de 2,5 W/m2, ou seja, mais de dez vezes mais alto, e aumentando a cada ano. Assim, se um mínimo de Maunder ocorrer a partir de 2030, seu impacto será pequeno, e não vai impedir que o planeta continue aquecendo.
El Niño e La Niña
Mudanças nos padrões de circulação das correntes oceânicas também afetam o clima, como nós todos percebemos nas épocas de El Niño e La Niña. Novamente aqui, não há indicações de que alguma de tais mudanças seja responsável pelo aquecimento global. Uma nota curiosa: eu guardo um artigo em que o autor afirma que por conta de um ciclo de 60 anos de uma tal de Oscilação Multidecadal do Atlântico o planeta já começara a resfriar. Seria um alívio se ele estivesse correto. Só que o artigo é de 2016! Ele não está sozinho. Muitos outros artigos previram que o rápido aquecimento registrado no início do século XXI não duraria muito. Todos estavam errados.
Somos nós
Finalmente, há uma evidência que considero muito relevante, e que tem sido pouco comentada. Trata-se da fornecida por isótopos, que são uma espécie de DNA dos materiais não-vivos. A análise de isótopos de carbono indica que o CO2 que está se acumulando na atmosfera é originário da atividade humana. Não tenho espaço para explicá-la aqui, mas eu gravei um vídeo extra que está na minha conta do Instagram. Você pode conferir isso lá.
Pois, então, somos nós. Não só vítimas, mas também os vilões do aquecimento global. Se estamos injetando gases de efeito estufa na atmosfera e nenhum mecanismo natural está agindo a ponto de justificar o atual padrão de aquecimento, não há outra conclusão.
Na coluna da semana que vem vou apresentar os processos pelos quais estamos emitindo gases de efeito estufa. Se você pensou só no petróleo, vai ter uma surpresa…