Em busca de subsídios para escrever sobre a influência da Internet e das redes sociais, para o bem e para o mal, nas nossas relações e nas nossas escolhas políticas, relato aqui – como li nos jornais e sites de notícias – um fato ocorrido há alguns dias numa escola pública do Gama, região administrativa do Distrito Federal de população majoritariamente classe C, e um artigo da competente jornalista e editora Beth Cataldo. Conto, primeiro, a história do Gama.
Numa de aula do segundo ano do ensino médio, uma aluna escreveu que o ministro Alexandre de Moraes acabou com as leis do Brasil. A professora corrigiu explicando que quem muda as leis é o Poder Legislativo, são os deputados federais e senadores, deputados estaduais, vereadores e os deputados distritais do DF.
A jovem não gostou da correção e relatou, à mãe, pelo celular, a atitude da mestra. Pouco depois, a mãe telefonou para a escola dizendo que a professora estava completamente errada e, além disso, estava “doutrinando” os alunos. Para arrematar, a mãe da estudante, que se diz amiga de políticos ligados à direita e até nominou alguns (não dou espaço para eles aqui), ameaçou “esfregar o celular” na cara da professora para provar que o ministro do STF mudou as leis.
Agora, vamos ao que nos diz, Beth Cataldo no artigo intitulado Renda condiciona comportamento sobre redes sociais publicado no portal QUINTA – Comunicação e Inovação.
Beth nos conta que pesquisas recentes tendem a apontar a renda como fator importante no comportamento das pessoas na Internet e nas redes sociais.
A jornalista analisa levantamento recente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).
A pesquisa foi atrás de dados sobre a qualidade da conexão utilizada pelos usuários da grande rede. Para medir essa qualidade, os pesquisadores levaram em consideração a velocidade, a confiabilidade da rede, os equipamentos usados e a regularidade no uso da Internet.
A partir daí, foi possível constatar diferenças entre aqueles que acessam as redes apenas pelo celular e os que declaram circular pela Internet pilotando tanto o celular como um computador. No primeiro grupo, já se vê, está o pessoal dos andares médios, onde estão os 60% dos usuários de celulares com planos pré-pagos e que não têm recursos para conexões mais sofisticadas.
Os brasileiros nos níveis mais altos de conexão virtual não passam de 22%.
Nas classes D e E, o percentual de usuários do planos pré-pagos chega a 75%. Entre o pessoal do andar de cima, da cobertura da nossa pirâmide social, a chamada classe A, o índice cai para 31%.
E aqui eu chego no ponto de linkar a história da mãe do Gama, que se informa pelo celular e usa o aparelho como ferramenta de convencimento de quem discorda dela, com o estudo do NIC.br e com a análise da Beth Cataldo.
Parêntese para lembrar: a mãe da estudante do Gama, que se diz amiga de políticos direitistas, ameaça esfregar o celular na cara da professora para provar que o ministro do STF, Alexandre de Morares, acabou com as leis no Brasil.
Volto ao estudo: os pesquisadores constataram que, enquanto 71% dos que usam telefone e computador para navegar nas redes se preocupam em verificar se uma informação veiculada na Internet é verdadeira, ou falsa, entre os usuários só do celular esse percentual cai para 37%. Considerando-se os internautas que estão no nível mais baixo de conexão, o índice não passa de 19%.
Me apoio em outros dados do artigo da jornalista Beth Cataldo: pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas constataram recentemente, com justa preocupação, que quase um terço dos usuários das redes não considera grave a divulgação de informações falsas. Para 12% , as fake news não são tão graves. Outros 17% afirmam que a disseminação de falsidades não é uma ameaça.
O Brasil, como se sabe, é campeão mundial no uso do WhatsApp. Entre os que manifestam essa despreocupação com as mentiras espalhadas nas redes, 81% acessam diariamente a plataforma de troca de mensagens.
Em que grupo estará a mãe da adolescente do Gama?
Difícil saber, mas bem que os governos poderiam tomar o exemplo dela para começar uma campanha de orientação de pais e alunos sobre o uso correto da tecnologia.
Um da semana, que seja, dedicado a reunir a comunidade em torno de cada escola para mostrar como se prevenir contra os disseminadores de desinformação. Nada de querer cooptar as pessoas em torno de alguma ideologia, de um projeto de poder. Apenas mostrar que a mentira não faz bem a ninguém. Ou melhor: só faz bem ao mentiroso…
Replico, aqui, antes de encerrar, a constatação da Beth Cataldo: Os recortes sobre a verificação das informações são um ponto-chave para a análise do padrão adotado pelos usuários brasileiros na internet em geral e nas redes sociais, em particular. É inevitável constatar que a renda é determinante para a maior difusão de informações falsas. Sem recursos para navegar de forma completa e com qualidade, os usuários de menor renda são presas mais fáceis da desinformação.
A família da menina pediu que ela seja transferida para outra escola. A professora está afastada da sala de aula com acompanhamento psicológico.
Todos perdem no fim dessa história? Nem todos. Perde quem busca na internet e nas redes sociais informação de qualidade. Ganham os disseminadores de desinformação, da intolerância…
Leia o artigo da jornalista Beth Cataldo aqui.
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