A meio caminho entre Lisboa e Coimbra, perto de Leiria, ao lado direito da autoestrada, o viajante é surpreendido pela visão de uma catedral isolada na zona rural junto a uma pequena cidade, Batalha. É Santa Maria da Vitória, mandada erigir pelo rei D. João I para agradecer à Virgem pela vitória sobre os espanhóis na batalha de Aljubarrrota em 1385, a qual assegurou a independência de Portugal. No seu interior repousam os restos mortais de João I e de sua esposa Filipa de Lancaster, bem como de seu filho Don Henrique, o Navegador. Chamam a atenção do visitante algumas partes inacabadas da catedral. São as Capelas Imperfeitas, um dos melhores exemplos da arquitetura manuelina em todo o país. Enfim, um denso e revelador período da história de Portugal se desvela seiscentos anos depois, ao se contemplar a pedraria maravilhosamente talhada de Santa Maria da Vitória, expressivo signo do medievo lusitano.
Essas lembranças são derivadas de um problema criado atualmente pelos computadores, signos de nosso tempo. O que fazer com máquinas e programas obsoletos de dois anos? Não têm mais nenhum valor intrínseco, não têm uma história, apenas deixaram de funcionar; nada dizem de seu passado, exceto que deixaram de servir. Sua duração depende do seu funcionamento. São signos da ação e não imagens do mundo. Enfim, não são obras, são instrumentos que, em brevíssimo tempo, viram trambolhos. E logo já não haverá quem os recolha do lixo. Serão como os pesticidas ou os plásticos, resíduos antiecológicos.
Uma catedral medieval, um templo grego, um aqueduto romano, uma escultura de Bernini são muito mais do que obras ou monumentos. São uma linguagem, uma visão particular do mundo, uma ponte entre o homem e sua contingência histórica. Fazem o que jamais um computador fará: indagam e fazem pensar.
É algo que deveria produzir uma reflexão a quem se deixa enfeitiçar acriticamente pelos novos meios de comunicação. Ao afirmar que os meios são a mensagem, McLuhan revelou que a mensagem não é o que dizemos, mas o que dizem os meios, apesar de não se ter consciência disso. E o que dizem os meios? Expressam signos e significados de acordo com os interesses de quem os produz, do tipo de estrutura social que os gerou. Como qualquer meio de produção, os de comunicação por si só carecem de significado e de significantes contraditórios e de interesses pessoais ou empresariais. “A função das máquinas” – já dizia um filósofo alemão meio fora de moda – “só se torna inteligível dentro do contexto social onde elas funcionam.” Quem são seus donos e quem as move? O que elas têm a fazer ou a dizer? E quem lhes outorga um sentido? São pertinentes perguntas diante do delírio comunicativo que, como a esfinge grega, nos devorará se não o decifrarmos.
Na verdade, a sociedade moderna não encontrou substitutos para dois antigos princípios que moveram a humanidade: a fé e a razão. A abundância material ainda não produziu um novo princípio que lhe dê um norte. Resulta que nunca na história o homem dispôs de tantos e tão eficientes meios de comunicação; nunca ele teve tão pouca coisa para dizer. Talvez seja uma afirmação tisnada de um certo ranço nostálgico, mas com oitenta palavras de vocabulário e alguns muxoxos, os jovens, nossos futuros condutores, não têm grandes ódios nem grandes amores.” Aspiram” à indiferença. Ao nirvana.
Até a década de sessenta, se interessavam pela técnica da Revolução, agora pela revolução da técnica. Em plena era da eletrônica interativa, nada têm a dizer e escolheram o silêncio como a forma suprema de expressão. Ou os indecifráveis grafites dos muros das cidades. É o que há de comum entre eles, além de um fumacê com baixos teores e de uma loira bem gelada. Nisso, são radicais. Não transigem, transgridem. Com prazer.
Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras
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Foto da Capa: Gerada por IA.