O neurologista americano Stanley B. Prusiner, da Universidade da Califórnia, mereceu o prêmio Nobel em 1997 por ter descoberto os Príons, um novo princípio biológico na gênese das infecções. Seus estudos partiram do interesse pela doença de Creutzfeldt-Jacob e outras doenças do grupo das assim chamadas encefalopatias espongiformes transmissíveis. Dentre elas, a Síndrome de Gertsmann-Sträussler-Sheinker (GSS), a Insônia Familial Fatal e o Kuru, causa de uma epidemia nos anos 50 e 60 do século passado entre os papuas da Nova Guiné, praticantes da antropofagia. Essas enfermidades também acometem animais que ingerem alimentos que contêm proteínas de outros animais; além de ovinos e espécies exóticas, a mais conhecida é a que atinge os bovinos, a Síndrome da Vaca Louca.
No princípio da década de 70, a causa dessas doenças era inteiramente obscura. Alguns casos pareciam obviamente genéticos, enquanto outros surgiam “do nada”. Os pesquisadores tentavam encontrar agentes para o contágio, mas estes não eram identificados. Nem bactérias, nem fungos, nem parasitas ou vírus e, mais do que isso, nada de DNA ou RNA, marca registrada de infecção. A grande dúvida: infecção sem agente vivo? Aos poucos, o Dr. Prusiner foi desenvolvendo a teoria de que uma proteína vilã é o fruto da replicação de proteínas normais até assumir sua patogenicidade.
O termo príon, uma conjunção de “proteína” e “infecciosa” foi inventado na falta do conhecimento de um termo grego mais inteligente, ironiza Prusiner em seu livro “Madness and Memory: The Discovery of Prions – A New Biological Principle of Disease” (Yale University Press, 2014). O príon faz lembrar a manifestação dual do clássico de Stevenson, “O Médico e o Monstro”, ora no comportamento confiável do Dr. Jeckyll, ora na índole assassina de Mr. Hyde. Proteínas celulares inócuas que possuem uma capacidade inata de modificarem-se estruturalmente em partículas perigosas, causadoras de doenças cerebrais do tipo demencial e, invariavelmente, mortais.
Prusiner sempre foi alvo de muitas críticas em relação a sua teoria por parte da comunidade científica. Mas o fato é que ela pode nos servir de metáfora, para tentar entender um fenômeno que tem acontecido nas assim chamadas mídias sociais – essas que, segundo Umberto Eco, têm dado voz à sanha opiniática de legiões de idiotas. Reflexões que não sairiam de uma conversa entre comadres ou do âmbito da mesa de um bar adquirem uma virulência tamanha, o que torna a singeleza e a inocência máquinas mortíferas, espalhando difamação, rancor, desprezo ao diferente. Capazes de provocar linchamentos morais e literais. Um perigoso meio no qual a antropofagia parece ser a determinante do cardápio. Onde tudo acabava em pizza, é possível que acabe em rodízio dos próprios comensais.
Certas atitudes expressas em palavra escrita no Facebook, Twitter e outras comunicações de nossos dias, assim como na voz de representantes da imprensa ou do povo, refletem mais do que extravagância, estouvamento ou imprudência. Germes de ideologias totalitárias, nazifascistas. Para não perder a piada, os doidivanas da hora nos arriscam a perder a democracia.
Numa dessas, o rebanho vai e a vaca louca pode nos levar ao brejo.
Foto da Capa: Freepik Mais textos de Fernando Neubarth: Clique aqui.