“Somos produtores de saudade”. Essa foi a frase que o compositor e cantor Nelson Coelho de Castro disse na sua participação no documentário Mais uma canção.
O filme, de 2013, foi reexibido há pouco na Mostra de Cinema Musical Gaúcho, na sala Eduardo Hirtz da Cinemateca Paulo Amorim, na Casa de Cultura Mario Quintana. Trata da trajetória do também compositor e cantor Bebeto Alves, que faleceu no final de 2022, de quem já falei aqui nessa coluna.
No dia seguinte, fui ver o show dos Almôndegas, banda que fez sucesso com seus discos na década de 1970, da qual fazem parte Kleiton e Kledir, dupla de irmãos Ramil, de cuja biografia lançada este ano também já tratei aqui.
Tive nestes últimos meses a perda de duas pessoas próximas. Fui a dois velórios com um intervalo de tempo pequeno. Além da qualidade tanto do documentário, com uma narrativa envolvente que leva Bebeto à Península Ibérica atrás das raízes da milonga, quanto do show dos Almôndegas que lotou os mais de três mil lugares do Auditório Araújo Viana e esbanjou no bom gosto dos arranjos, das letras, das melodias e dos vocais, tudo bateu forte em mim, nesse encontro do presente com o passado.
Quando abriu o filme, com a voz forte do Bebeto, cantando “Nas pegadas das minhas botas trago as ruas de Porto Alegre/Na cidade dos meus versos, dos sonhos, dos meus amigos”, já comecei a chorar. Contidamente, como convém ao escuro do cinema. Depois, fui me recompondo e aproveitando todo o caminho de Bebeto, vindo de Uruguaiana, com a marca da fronteira que moldou a sua vida, a vinda para Porto Alegre e a participação ativa na criação da cena musical de uma talentosa geração pós hippie no sul do Brasil.
Nesse mesmo contexto, nasceram Os Almôndegas. O show no Araújo trouxe a banda com sua formação completa: Quico, João Batista, Zé Flávio, Gilnei, Kleiton e Kledir. Só faltou o Pery, que está impossibilitado de participar por problemas de saúde.
Quando começou o show, a mesma sensação de ser tomado por uma vontade de chorar veio de novo. Mas, num insight, pensei: esses caras todos no palco estão na faixa dos setenta anos. Esse é um momento para celebrar a vida, a longevidade da criação, da música boa que fica, do reencontro, da amizade e da alegria.
Pude então rir, cantar e dançar. E já a saudade, de que o Nelson Coelho de Castro falou e definiu tão lindamente como sendo o trabalho produzido pelo artista, trouxe todo seu lado bom.
Foto da Capa: reprodução do Youtube