Era para ser somente uma consulta ginecológica, mas foi muito mais. A primeira e última vez que pisei naquele consultório. Mal entrei e a médica me disse: “Tem algo errado aqui, está agendado como consulta obstétrica, mas com sua idade acho que não, né?”. Não, não era esse o motivo, mas e se fosse? Improvável uma gravidez depois dos 50 anos? Talvez. Impossível? Não. Começamos assim, porém o pior estava por vir. Quando passamos para o exame clínico, ela me olha e diz que eu deveria voltar a colocar próteses de silicone.
Hello? Como assim? Eu tinha ACABADO de comentar com ela que há cerca de um ano decidi tirar as próteses por vários motivos, inclusive de saúde. Eu realmente não esperava ouvir aquilo de uma médica.
A consulta inteira durou menos de quinze minutos. Burocraticamente, imprimiu várias folhas com os pedidos de exames e, à mão, escreveu o nome de um cirurgião plástico. “Vai nele, ele é ótimo e seu corpo merece”. Oi?
Sim, a essa altura da vida, fui vítima de uma espécie de “Body Shaming”. Não destes ataques na internet, mas de um profissional de saúde, dentro de um consultório médico. E de uma mulher.
Vou confessar uma coisa, mexeu comigo.
Me peguei remoendo o episódio uma e outra vez. Cheguei em casa, me olhei no espelho e tive que relembrar que foi minha opção, que sou muito mais do que grandes peitos perfeitos. Ela quase me fez sentir vergonha do meu corpo – de novo. Quantas e quantas vezes ao longo da vida nós nos sentimos inadequadas com nossa aparência ao ponto de deixarmos que esta preocupação ultrapasse os limites da saúde física e psicológica? Eu já, incontáveis vezes.
Logo agora, quando decidi me curar de toda essa pressão, recebo esse tipo de “comentário sem maldade” de alguém que deveria oferecer acolhimento.
Depois de ficar alguns minutos em frente ao espelho, corri para o celular e contei o que tinha acontecido no grupo do WhatsApp, onde há várias mulheres que já fizeram ou que se preparam para fazer o explante. Novamente, foi ali que encontrei apoio. Racionalizei, respirei e fiz o que normalmente faço para botar as ideias em ordem: sentei para escrever.
Ano passado, publiquei aqui a crônica “Pelos peitos da Santa Ágata“, que escrevi logo depois da minha decisão de explantar. Fui lá e reli o que eu mesma havia escrito. Às vezes, é preciso algo para reafirmar nossas convicções. É um eterno “nadar contra a maré”. Nunca somos suficientemente boas.
Encontrei uma pesquisa sobre Body Shaming aqui em Portugal. A pesquisa foi conduzida pela Memória de Base, uma empresa especializada em estudos de mercado. Foram entrevistadas 316 mulheres com mais de 18 anos.
Deixo abaixo algumas conclusões do estudo.
• 64% das mulheres referem ser ou ter sido alvo de body shaming;
• Em 76% dos casos, o body shaming é praticado pessoalmente por conhecidos ou amigos;
• Em 56% dos casos, o body shaming é praticado pessoalmente por familiares;
• Em 8% dos casos, o body shaming é praticado nas redes sociais;
• 82% das mulheres são alvo de body shaming associado ao peso, sendo 68% referente ao excesso de peso;
• 23% das mulheres são alvo de body shaming devido à sua forma de vestir;
• 52% das mulheres alvo de body shaming confessam que estes comentários têm um impacto negativo;
• Mais de 70% das mulheres que são criticadas pelo seu peito sentem-se negativamente impactadas;
• O tamanho do peito é a crítica que tem maior impacto negativo nas mulheres que sofrem de body shaming.
• Apenas 25% das mulheres afirmam gostar do seu corpo tal como ele é;
• 76% das mulheres tentam não se sentir afetadas pelos comentários, mas consideram que é difícil;
• 66% das mulheres reconhecem que o body shaming tem um impacto na sua autoestima;
• 76% das mulheres gostavam de se libertar dos julgamentos ao seu corpo e consideram difícil não se sentirem afetadas pelo body shaming;
Acho que vou enviar o estudo para a “doutora”.
Links relacionados:
- Wikipedia
- Dove: Estudo sobre Body Shaming em Portugal
Todos os textos de Pat Storni estão AQUI.
Foto da Capa: