Livros, filmes e séries que dão vontade de devorar outros livros, filmes e séries: esse é o círculo virtuoso mais constante da minha vida.
Se cada obra contém um pequeno universo de referências, mais ou menos explícitas, que remetem a outras, afins, cada nova experiência de fruição (vale, claro, também para música, teatro, artes plásticas…) tem o potencial de tornar-se um pequeno Big Bang, expandindo limites, inaugurando novos percursos, revelando conexões insuspeitadas. Nesse banco de recursos inesgotáveis, quanto mais se saca, mais aumenta o saldo do cliente. Ou seja: só é pobre quem quer.
Sob esse ponto de vista, The Last Movie Stars, em cartaz na HBO Max desde o final de julho, é um pequeno tesouro. A série documental sobre a vida, a carreira e o longo casamento de Paul Newman (1925 – 2008) e Joanne Woodward (1930), dirigida pelo ator Ethan Hawke, lança o espectador em um estado de irresistível voracidade cinematográfica. Que filme é esse? Como eu não conhecia? Onde é que eu acho?
Os dois tiveram carreiras longas, que se iniciaram na década de 1950 e se estenderam por quase 50 anos. E Ethan Hawke faz questão de pontuar cada etapa da vida de seus personagens com diálogos extraídos dos seus filmes. Uma filmografia que inclui títulos grandiloquentes (em português) que remetem a uma Hollywood que não existe mais: Deus é meu Juiz (The Rack, 1956), Marcado pela Sarjeta (Somebody Up There Likes Me, 1956) e Rebeldia Indomável (Cool Hand Luke, 1967), com Newman, ou Amor, Prelúdio de Morte (A Kiss Before Dying, 1956), A Fúria do Destino (The Sound and the Fury, 1959) e Sublime Loucura (A Fine Madness, 1966), com Woodward. Relíquias cinematográficas a serem redescobertas, com sorte, escavando as plataformas de streaming e o YouTube.
Há ainda todos os filmes em que o casal contracenou – O Mercador de Almas (The Long Hot Summer, 1958), Cenas de uma Família (Mr. & Mrs. Bridge, 1990), entre outros – e aqueles que marcaram pontos altos de suas carreiras: As Três Máscaras de Eva (The Three Faces of Eve, 1957), que rendeu um Oscar precoce a Joanne Woodward, e A Cor do Dinheiro (The Color of Money, 1987), o Oscar tardio de Paul Newman.
Ethan Hawke coloca-se em cena entrevistando as filhas do casal e conversando com amigos sobre o documentário em produção. Tudo via Zoom. Os limites da pandemia parecem ter ajudado o diretor a formatar os seis episódios da série, que intercala o tom familiar, quase artesanal, das conversas online com o glamour projetado por duas grandes estrelas de Hollywood. O contraste entre a fama, principalmente de Paul Newman, e a vida familiar marcada por dramas e tragédias que não seriam muito diferentes dos de um casal comum (não fossem acompanhados pelas câmeras e pela curiosidade do público) também faz parte da narrativa.
O ponto de partida da série são as entrevistas com amigos, familiares e colegas que Paul Newman encomendou quando planejava escrever um livro de memórias. Mais tarde, o ator mudou de ideia e destruiu todos os áudios (as transcrições foram poupadas) – o que diz muito sobre a personalidade de um homem que, às vezes, parecia surpreso com o próprio sucesso e o fascínio que despertava. Woodward, por sua vez, lamenta ter colocado o cinema em segundo plano para dedicar-se aos filhos. Sua carreira parece ter sido mais discreta do que seu talento prometia.
Um livro baseado nas transcrições das fitas usadas no documentário, Paul Newman: The Extraordinary Life of an Ordinary Man, será publicado em outubro. E o ciclo virtuoso continua.