Tem aquela expressão: “Te conheço de outros carnavais!”. São, na verdade, vários mesmos na minha vida. Na infância e até o final da adolescência não lembro de ter deixado de ir um ano sequer aos bailes de clube.
Ainda piá, fantasiado de pirata, com confete, serpentina e bisnaga com água. A gente ia também com toda a família ver as escolas desfilarem na João Pessoa. Na faculdade, depois de estudar para uma prova de Latim, fomos dançar na quadra da Imperadores, que ficava em frente ao prédio do jornal Zero Hora, região central da cidade de Porto Alegre.
Mais tarde, com minha namorada, que virou minha esposa, fomos na madrugada, numa daquelas infindáveis perambulações da juventude, ver as tribos e escolas do terceiro grupo na Aureliano de Figueiredo Pinto. Passou uma escola com um carro alegórico improvisado, fantasias muitos simples, mas com uma animação contagiante, a Unidos do Umbu. Ficou sendo a nossa escola do coração.
Sempre acompanho com interesse os desfiles do carnaval do Rio. A obra de Joãozinho Trinta, com aquele seu desfile que termina com os trabalhadores da limpeza é um marco que ficou para sempre. A Velha Guarda da Portela e suas histórias. A crítica política e social, transformando os desfiles em alerta de várias causas importantes. Por aqui, Giba Giba e a Praiana.
Em Porto Alegre, de um tempo para cá, a cidade foi empurrando o carnaval para fora do centro. Hoje, os desfiles são numa região mais afastada, o Porto Seco. O segregacionismo é uma das doenças sociais de que a capital do estado deveria se livrar.
É da sua história ir empurrando a população negra para longe. Se tivesse um espelho que não deformasse a sua face, iria ver, por exemplo, que o Rio Grande do Sul tem a maior concentração de religiões de matriz afro do Brasil. O premiado documentário Cavalo de Santo mostra isso.
As escolas públicas de ensino fundamental e médio foram todas fechando nas regiões centrais e sendo levadas apenas para as periferias. É nessas escolas que alunos de diferentes classes sociais e etnias poderiam conviver e aprender a trocar. Mas não. O branqueamento social porto-alegrense não quer mistura.
Tem a Orla? Cria uma zona elitizada dentro dela. Tem a Redenção, um dos últimos redutos de uma convivência mais plural? Ah, então já começam a tramar um jeito de acabar com isso, querendo privatizar, fechar, cobrar, com aquela alegação branquela que nos outros lugares bem-sucedidos branquelas é assim que funciona. Tem sempre um modelo importado de segregação para seguir.
Um dos criadores do Dia da Consciência Negra no Brasil é um grande poeta gaúcho, Oliveira Silveira. Aí vem um vereador Zé Ninguém e se une a outras figuras públicas insignificantes para acabar com esse feriado na terra do seu próprio criador.
Mas há espaços, trincheiras de resistência para carnavalizar a vidinha burra porto-alegrense. Não sem serem permanentemente vigiados como uma ameaça. O Bloco da Laje é um desses espaços em que a alegria de conviver mostra que uma outra Porto Alegre é possível.