Mesmo quando consideramos os avanços da ciência, tecnologias que favorecem o tratamento e cuidados, segundo levantamento realizado pelo Datafolha, 76% das pessoas declaram sentir medo de serem diagnosticada com câncer. E, segundo a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica – SBOC, esse medo pode ser uma das razões pelas quais 24% da população brasileira não realiza exames de detecção do câncer. E isso é uma questão importante. Pois, apesar do câncer figurar em 2022 “apenas” em 8º lugar entre as causas de morte no Brasil, quanto mais tarde ele for detectado, menor as chances de cura para aquela pessoa, porque maior as possibilidades da doença já estar em estágios mais avançados. Por isso, o medo atrapalha. E, infelizmente, esse problema não é pequeno.
Segundo estimativas do Instituto Nacional do Câncer – Inca, para o triênio de 2023 a 2025, são esperados 704 mil novos casos de câncer no Brasil para cada ano, com destaque para as regiões Sul e Sudeste, que concentram cerca de 70% da incidência.
O tumor maligno mais incidente no Brasil é o de pele não melanoma (31,3% do total de casos). Em homens, o câncer de próstata é predominante em todas as regiões, totalizando 72 mil casos novos estimados a cada ano.
Nas mulheres, o câncer de mama é o mais incidente, com 74 mil casos novos previstos por ano até 2025. E para diminuir esse número, há questões importantes para refletir e resolver.
Quando a idade é problema
No Brasil, as diretrizes do Ministério da Saúde indicam a realização da mamografia em duas situações: para rastrear ou para diagnosticar (ou não) o câncer de mama.
O Ministério da Saúde indica que todas as mulheres de 50 a 69 anos sem sintoma, a cada dois anos, realizem mamografia de rastreamento. Isso porque as evidências científicas mostram que nessa faixa etária ocorre o maior número de casos de câncer de mama.
Para mulheres e também homens com sintomas da doença de câncer de mama (caroços endurecidos, fixos e sem dor, ou mudança no mamilo), a política do Ministério é a de que a mamografia de rastreamento pode ser feita em qualquer faixa etária com indicação médica.
Para quem tem histórico de câncer de mama ou de ovário na família, também pode fazer mamografia em qualquer idade, com ou sem sintomas. A recomendação é de que pessoas nessas condições conversem com o médico para tomar uma decisão conjunta.
Aumenta entre as mais jovens
Porém, os dados mostram que 25% das mulheres com câncer de mama no Brasil desenvolvem a doença entre 40 e 50 anos. E a ocorrência da doença em mulheres mais novas vem sendo uma tendência nos últimos anos. Há uma disposição de quanto mais jovem a pessoa, mais grave o tipo de câncer de mama.
Por isso, entidades médicas brasileiras divergem da orientação nacional e tentam há anos reduzir a idade mínima para a mamografia de rastreio, na mesma direção da discussão pautada nos Estados Unidos. Lá, pesquisadores norte-americanos querem diminuir a idade mínima para fazer a mamografia de rastreamento, sugerindo que mulheres com risco médio para a doença devem começar a fazer mamografias regulares a partir dos 40 anos, e não mais dos 50.
Aumento entre as mais velhas, também
Também por conta dessa orientação do Ministério da Saúde, um estudo inédito revelou que a redução do rastreamento para câncer de mama no SUS, entre mulheres com 70 anos de idade ou mais, vem contribuindo para elevar o número de casos graves da doença no País. Entre 2013 e 2019, com menor rastreamento, foi constatado que os casos de câncer de mama nos estágios III e IV, os mais graves da doença, aumentaram 44,3% no grupo com 70 anos ou mais em relação às mulheres entre 50 e 69 anos (40,8%). Essa é uma situação especialmente preocupante por causa da evolução do envelhecimento da população brasileira. Entre 2010 e 2020, o grupo de brasileiras com 70 anos ou mais aumentou 44%. Para as próximas duas décadas, o IBGE projeta crescimento de 113% neste segmento da população.
Etarismo institucional?
As diretrizes do Ministério da Saúde para a detecção do câncer de mama no Brasil focada na faixa etária dos 50 aos 69 anos desencoraja a mamografia de rotina para mulheres com 70 ou mais, assim como para as mulheres com menos de 40 anos, enviando sinais equivocados para todo o sistema de saúde. Com base na idade, essas diretrizes vêm diminuindo as chances de milhares de mulheres de detectarem mais precocemente a doença e terem direito a cura, mesmo quando já há estudos, entidades médicas e organizações da sociedade civil lutando para mudança dessas diretrizes. Ou será que vidas acima ou abaixo desta faixa etária valem menos?
SUS x Rede Privada. Quem trata e quem cura mais?
Conforme uma pesquisa feita (hoje estou cheia delas, pois fui a fundo nesse tema) recentemente, o SUS é o acesso de saúde para 75% das entrevistadas, sendo 91% pertencentes das classes D/E, 87% com ensino fundamental. Quanto as demais mulheres, 20% acessam planos de saúde e o particular, 18%.
Conforme estudo, com a pandemia, os diagnósticos de estágios avançados da doença entre as usuárias do SUS atingiram 52,04%, contra 36,4% no setor privado. Assim, o tratamento é mais longo e complexo e, eventualmente, a cura pode ser mais difícil de vir a acontecer.
Uma das causas dessa demora no diagnóstico pode ser a dificuldade no cumprimento da Lei dos 30 e 60 dias, de acordo com levantamento a esse respeito. Essa é uma determinação que prevê o diagnóstico do câncer de mama no prazo inferior a 30 dias, e a que indica o início do tratamento em centro especializado em prazo igual ou inferior a 60 dias.
Um indicativo preocupante é que os tratamentos do câncer de mama apresentam resultados diferentes no SUS e na saúde suplementar. “No tratamento oferecido no hospital privado, com os medicamentos não disponíveis no SUS, cerca de 90% das pacientes tiveram taxas maiores de resposta patológica completa. Na instituição que atende o SUS, foram aproximadamente 60%”.
Fica clara a tremenda desigualdade enfrentada pela maior parte da população feminina que adoece de câncer da mama, mulher pobre, menos escolarizada, provavelmente negra, que depende do SUS ao buscar o rastreamento, diagnóstico e, se for o caso, o tratamento e a cura do câncer de mama. O Estado não deveria providenciar o melhor cuidado dessas mulheres?
Todas as vidas são valiosas. Ninguém é melhor do que ninguém. Minha filha cantava na escolinha essa música. Será que os gestores de políticas públicas também?
Importante: Em pesquisa foi identificado que poucas mulheres conhecem os diferentes tipos de câncer de mama. Saiba mais aqui.
Dica 1: O imperador de todos os males
O Imperador de Todos os Males é um livro pra quem quiser conhecer a história do câncer. Prepare-se para uma biografia de quatro mil anos bem contada e fundamentada na ciência e na medicina, muito bem escrita por Siddartha Mukherjee, da Companhia das Letras.
Dica 2: Quantos Dias. Quantas Noites
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