Domingo passado foi o Dia dos Pais e me chamou a atenção que algumas escolas celebraram “o dia da família”, creio que estão fazendo isto também no dia das mães, mas no dia dos pais faz mais sentido ainda, pois, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, 6,8% das crianças que nascem no Brasil, cerca de 500 crianças por dia são registradas como “pai ausente”.
Apesar desses números assustadores, podemos dizer que o papel dos pais na educação dos filhos vem melhorando nas últimas décadas. Pergunte para aos seus pais qual dos seus avôs paternos se envolveram nos cuidados dos filhos? Não tome como referência a relação dos avós com você, pois os avós tendem a ser muito mais carinhosos e cuidadores com os netos do que foram com os filhos. E a relação do seu pai com você provavelmente seja muito diferente da sua com os seus filhos. Ou seja, estamos numa espiral de melhoria das relações pai e filhos, o que não quer dizer que não tenhamos muitas coisas a serem questionadas.
Não precisamos voltar muito no tempo para constatar as grandes alterações que ocorreram nas famílias brasileiras. Nos anos 60, quando eu era criança, eu tinha dois irmãos, e uma família com três filhos era considerada média, eram raras as famílias sem filhos ou com apenas um filho. Quem vivia no meio rural tinha os filhos como mão de obra, e na cidade como alguém que iria cuidar dos pais quando eles ficassem velhos. De certa forma, os filhos eram uma espécie de “previdência privada”. Algumas famílias estabeleciam regras como a dos negócios/propriedade, que seriam administrados pelos mais velhos e os mais novos cuidariam dos pais. Em outras, a herança ficaria para os filhos homens e as filhas mulheres que arrumassem maridos ricos, pois não herdariam nada dos seus pais. Estou falando do século XX, de famílias que conheci.
O meu filho nasceu em 1994, quando já existia uma cultura do envolvimento do pai nos cuidados dos filhos. Eu tentei me preparar para ser o pai mais eficiente possível, pois não tive o exemplo em casa. O meu pai não sabia nem pegar uma criança no colo. Li todas as revistas e livros que consegui. Algumas me deixavam indignado, pois as reportagens da época só falavam para as mulheres. Resolvi escrever na coluna do leitor da Pais & Filhos reclamando disto e sugeri que a revista mudasse de nome para “Mães & Filhos”. Para minha surpresa, a minha reclamação foi publicada e a editora disse que iriam dar mais atenção aos pais.
Nos últimos anos, o envolvimento do pai nos cuidados dos filhos vem se popularizando e teve um impulso com a publicação do livro “Papai é Pop”, de Marcos Piangers, que já vendeu mais de meio milhão de cópias, virou filme e rendeu centenas de palestras do Piangers. Ele destaca que os pais estão sempre com um sentimento de culpa. Quando estão no trabalho, estão pensando que deveriam estar com a família, quando estão com a família, estão preocupados com o trabalho. O tempo e a qualidade do “estar juntos” são grandes desafios para os pais. Não basta estar com os filhos na pracinha e estar no celular todo o tempo, ou ir almoçar com os filhos e dar um celular para eles não incomodarem.
Ao longo dos anos, mudaram também as principais preocupações dos pais com os filhos. Houve épocas que se tinha medo de que os filhos se envolvessem com drogas, depois que se contaminassem com HIV, medo da violência nas ruas. E hoje temos mais uma preocupação dentro de casa, o medo da tecnologia, o que nossos filhos estão assistindo e quantas horas por dia eles ficam na frente de uma tela. Aliás, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que as crianças menores de dois anos não devam ser expostas a telas, enquanto as entre 2 e 5 anos devam ter o tempo limitado a no máximo uma hora por dia¹. Piangers diz que devemos diferenciar os “3 Cs” na relação com a internet. O primeiro “C” é o Consumo, que é o mais preocupante e que devemos ter muito cuidado, pois é quando estamos jogando, comprando algo ou passando por telas aparentemente inofensivas. O segundo é o da Conexão, quando nos conectamos com os amigos e familiares, o que pode ser muito bom. O terceiro “C” é o da Construção, do Conhecimento, quando usamos a internet para assistir a um filme, um documentário, para aprender. Então, o acesso à internet em si não é ruim, tudo depende de como nossos filhos estão usando e de quanto tempo estão conectados.
Por fim, quero trazer um exemplo mostrado num programa da TV japonesa em que crianças pequenas eram desafiadas a resolver problemas, como transportar um saco de lenha superior às suas forças ou outras atividades que exigiam criatividade e capacidade de superação. Os pais assistiam, sem que os filhos percebessem, e, em vez de ficarem penalizados, ficavam orgulhosos por verem seus filhotes tão pequenos aprendendo a se virar. Esta capacidade de resolver problemas desde pequeno é vista como uma preparação para a vida. Isto contrasta com o que vimos em muitos pais brasileiros que atuam como se fossem “pais curling”, que é aquele esporte das olimpíadas de inverno em que os atletas jogam uma pedra de granito que parece uma panela e os jogadores vão na frente limpando o gelo para diminuir o atrito entre a pedra e o gelo e assim permitir que ela vá mais longe. Pais curling são os que fazem de tudo para que os seus filhos não tenham problemas na vida, pensando que assim eles “irão mais longe”, mas a vida não é como a pista de gelo. Se não aprenderem a arrastar o saco de lenha pesado, provavelmente em algum momento se darão mal. Pais superprotetores fazem mais mal do que bem para seus filhos. Filhos precisam de cuidados, de amor, de carinho para se sentirem seguros e enfrentarem as adversidades. O melhor que podemos fazer é criar condições para poderem escolher o seu caminho e se tornar cidadãos do mundo.
Referências:
- O que é ser Pai? - Mario Sergio Cortella e Marcos Piangers - Tripé #7
- Brasil registrou mais de 100 mil crianças sem nome do pai, só neste ano são quase 500 por dia.
¹Uso de Telas por crianças e adolescentes
Foto da Capa:Marcos Piagers / Reprodução do Youtube
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