A grande comoção pública com as enchentes deste açoitado maio sul-rio-grandense parece ser o palco perfeito, o trampolim oportuno de angariadores de likes interessados na carreira política. São os surfistas de tragédia que vão construindo o seu eleitorado na onda das atuais águas turvas do Rio Grande do Sul.
Desta vez, não vou julgar. As coisas já andam muito difíceis e é melhor todos serem positivos. Afinal, é um nicho de mercado que está aí. Então, caso você tenha interesse, abaixo segue uma cartilha bem simples de orientações para aproveitar a maré de tragédias atuais e dar um up – perdoem, sem anglicismo não se faz política hoje em dia – na sua imagem e futura carreira pública. Perdoem também o purismo, mas vou focar nas condutas da extrema-direita. Nada de inventar moda, até porque, na época do bigodinho quadrado já era assim: propaganda ao cubo. Por que essa receita não funcionaria contigo?
A boa notícia é que hoje é mais fácil ainda. Não, não precisa estudar nada. Menos ainda consciência social e de classe, bullshit. Basta um celular e acesso à internet. Mas, atenção: esta cartilha é um modelo pensado para a crise das cheias do RS. Nada de comer mosca. Então, lá vai! Mete o loco e vai!
- TRATAMENTO DE NOTÍCIAS – Alimente-se e difunda notícias alarmistas, tristes e revoltantes. Todas! Seja um verdadeiro sommelier de desgraça. Nesse momento há um rio caudaloso delas, mas, caso elas não sejam suficientemente ruins, invente-as. Sobretudo, as que atacam o já atordoado poder público. Divulgue-as tanto, mas tanto, a tal ponto de passar a recebê-las de volta com um “tu viu?”. A partir daí, não descanse, pense logo na próxima notícia como algo que dê um aceno de legitimidade à primeira. Pode ser absurda, o importante é estar tematicamente relacionada.
- DESTRATAMENTO DE NOTÍCIAS – Ataque as mídias tradicionais. Todas! Atue como se nenhuma prestasse, só o que sai da repetidora insana da sua cabeça é o que interessa. Contudo, permita-se, eventualmente, corroborar suas ideias com outras “mentes brilhantes” de influenciadores ou veículos midiáticos de reputação duvidosa, sem sequer um jornalista responsável. Aliás, ataque e constranja estes profissionais. Assim, como professores e cientistas. Invalide tudo o que saia da boca e, principalmente, do cérebro destes. Se você é acéfalo, porque eles precisariam de um?
- NEGACIONISMO CLIMÁTICO – Negue as mudanças climáticas ou, ao menos, retire a ênfase do problema delas. Nesse momento, ataque a atuação de todos os políticos – diga que são comunistas, invente qualquer coisa – e, ao mesmo tempo, enalteça o estado mínimo. Mostre as mazelas de forma seletiva, puxando a brasa para o assado do seu alinhamento político. Com cuidado, lembre-se que, apesar de suas ambições, você não quer ser identificado com a classe política. Sim, é um paradoxo, mas você não precisa saber o que isso significa, confie em mim. Enfatize a inoperância dos governos, a burocracia e os entraves, mesmo que estes não existam. Diga que agora é “o povo pelo povo”. Repita. É o seu novo mantra. Se não souber o que dizer, repita. Apenas repita. Intercale com notícias falsas.
- NEGACIONISMO SISTEMÁTICO – Prepare-se para rebater os caçadores de fake news mudando de assunto e confundindo a pauta. Seja amigo do caos. Fale mal do governo e enalteça as iniciativas populares. Repita de novo: “O povo pelo povo”. Esqueça seus privilégios: você é do povo sim! Sempre foi!
- POPULISMO NAS REDES – Finja-se de herói, de popular que se importa e que sua única intenção é ajudar. Você tem um coração enorme e, principalmente, uma carreira naufragando e contas para pagar. Então, ajude. Se envolva, efetivamente, mas nunca o suficiente para se esquecer de gravar ou atuar massivamente nas redes sociais. Você tem prioridades! Grave tudo o que você fizer de bom. Não, não é para prestar contas ou dar bons exemplos. Grave para disseminar a sensação de que quem te assiste te deve algo. Use psicologia barata, mas certeira: abuse de tom indignado e muita comoção. Lembre-se: fique apenas na etapa de apontar os culpados. Nada de resolver os problemas ou buscar soluções conciliadoras e perenes. Você precisa ter do que reclamar publicamente. Atue como se quisesse – e você sabe que quer – ver cabeças rolando.
- POPULISMO NAS REDES 2 – Tenha chiliques. Use calão, baixarias e xingue como se tivesse contratado o advogado mais fodástico da galáxia. Ataque desse modo minorias e pessoas em vias de te desmarcar. Observação: se você formar parte de uma dessas minorias coloque-se como contra exemplo, como alguém que está do lado hegemônico e que não liga para pautas minoritárias. Sinta-se superior e diga o quanto essas pautas são maléficas para os próprios interessades. Exemplo: se você for mulher, mostre que o feminismo ataca as mulheres, se for uma pessoa negra, mostre que venceu e que “os negros” (exclua-se) se vitimizam demais. Abomine linguagem inclusiva e pautas minoritárias.
- ESCRAVIZANDO SEGUIDORES – Forme uma rede de difusão e faça com que seus seguidores trabalhem por você. Exorte-os para que compartilhem o seu conteúdo, marquem você em publicações do seu interesse e que te defendam de opositores.
- SUBSERVIÊNCIA – Adule pessoas ricas, de preferência milionários e bilionários. Exalte as migalhas oferecidas por estes. Seja subserviente e reforce a ilusão do mérito próprio, do self made man. Reforce a imagem positiva e benevolente dos poderosos. Exalte esforços puramente individuais. Abomine o uso da palavra coletivo. Mesmo que você não acredite, fale em Deus. Mescle com palavrões e indignação. Repita que o “povo está pelo povo”, mas fale em Deus e agradeça iniciativas dos ricos que te interessam.
- FINJA DESCONHECIMENTO – Políticos sérios de nosso estado estão se virando para verdadeiramente ajudar o povo e, ao mesmo tempo, atacar o negacionismo climático da iniciativa privada e de certos governantes que, com o afrouxamento das políticas ambientais, são os principais causadores de toda essa hecatombe que se instalou nos nossos pagos. Siga a cartilha. Não fale neles.
Foto da Capa:
Mais textos de Priscilla Machado de Souza: Leia Aqui.