Três anos antes de morrer, Ulysses Guimarães havia passado pela grande derrota política de sua vida. Em 1989, aos 73 anos, Ulysses concorrera à presidência. Como os adversários – sabe-se bem quem eram – não podiam atacar seu passado e sua dignidade, resolveram chamá-lo de velho. Ainda assim, Ulysses foi sábio e transformou essa aparente desvantagem em mote da sua campanha: “Bote fé no velhinho!”. Não deu certo.
Era o mesmo Ulysses que tão bem havia conduzido o processo de elaboração da Constituição. Ao final dos trabalhos, o PT negou-se a assinar a Carta. Poucos dias depois, arrependidos, deputados petistas pediram para assiná-la em gabinete. Ulysses permitiu. Porém, esse gesto de grandeza do veterano parlamentar não impediu que na eleição de 1989 o PT atacasse Ulysses de todas as maneiras, inclusive o chamando – vejam só – de velho. Além disso, no segundo turno desta mesma eleição, um Ulysses derrotado foi oferecer seu apoio ao PT e o que suas lideranças fizeram? Recusaram o apoio.
Por tudo isso, vale lembrar ainda alguns ensinamentos dele, como as “Seis mezinhas do Doutor Ulysses para um noviço em política”.
Primeiro: não seja impaciente. A impaciência é uma das faces da estupidez. Entendo que quem está na vida política não pode entrar na história do dia para a noite. O caminho é longo, perseverante, difícil. A impaciência não acaba só com carreiras futebolísticas.
Segundo: na política, em geral, e especialmente no poder, se você não pode fazer um amigo, não faça um inimigo. O inimigo guarda o ódio na geladeira. O inimigo, numa eleição, amanhece na boca da urna dizendo que a mãe do candidato não é honesta.
Terceiro: em política nunca se deve proferir palavras irreparáveis, irretratáveis. E aqui eu recordo um conselho do Perón a Isabelita, prevendo que ela assumiria a presidência da Argentina: Minha filha, em política fale muito sobre coisas, pouco sobre pessoas e nunca sobre você.
Quarto: em política você nunca deve estar tão próximo que amanhã não possa ser adversário ou inimigo. E nem tão distante que amanhã fique em dificuldade por ter que virar amigo.
Quinto: a grande arma de qualquer bom político é o trabalho. Eu próprio costumo dizer que eu tenho estrela. Está certo que fui muito ajudado pelos amigos e pelos acontecimentos, mas eu vivo passando Kaol na minha estrela.
Sexto: é preciso saber a arte de escutar. Escutar dá até infarto, dá úlcera. O rei Faiçal, da Arábia Saudita, dizia que Deus deu ao homem dois ouvidos e uma só boca para ouvir o dobro e falar a metade.
E mais: o orador Ulysses Guimarães tinha péssima dicção, mas escrevia como poucos. Em tempos tenebrosos é preciso lembrar sua lucidez e a falta que faz sua capacidade de dialogar e de entender a política. Destaco três momentos:
22 de setembro de 1973, lançamento da anticandidatura:
“Não é o candidato que vai percorrer o país. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a nação pela censura à imprensa, ao rádio, à televisão, ao teatro e ao cinema”.
24 abril de 1984, véspera da votação das Diretas.
“Vi o maior movimento de homens, mulheres, jovens e instituições dos quase 500 anos de nossa existência; vi legiões de democratas armarem suas tendas de luta não em torno de líderes carismáticos ou legendas partidárias, mas para a conquista de governos que lhes sejam o irmão aliado, e não o carrasco. Vi o povo nascer da massa, vi raiar o arco-íris da aliança entre os trabalhadores e a democracia; vi os desgraçados, os despossuídos e os desempregados convencerem-se de que não há direitos nem bem-estar sem cidadania e se conscientizarem de que a má política os destrói, e só uma boa política pode salvá-los”.
5 de outubro de 1988, promulgação da Constituição:
“Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades. Uma delas, benfazeja, me colocou no topo desta montanha de sonho e de glória. Tive mais do que pedi, cheguei mais longe do que mereço”.
Quem quiser saber mais sobre Ulysses e as diretas, minha dica de livro é o ótimo Diretas Já – 15 Meses que Abalaram a Ditadura, escrito pelos ex-deputados Dante de Oliveira (já falecido) e Domingos Leonelli, duas testemunhas oculares da história.