Já escrevi sobre este momento várias vezes*. E volto a escrever porque vivemos uma tragédia absurda e anunciada, em 2024, e precisamos de respostas. Os eventos climáticos – no caso do RS, as chuvas que destruíram várias regiões do Estado – escancararam nossas fragilidades e a dificuldade de ver com olhos bem abertos, sem negar o que acontece. Queiramos ou não, experimentamos “a crônica da tragédia anunciada” e um inquietante desencanto tomou conta das nossas vidas. Ao mesmo tempo, constatamos a força e a coragem de quem perdeu tudo, nos emocionamos com a esperança das pessoas e a solidariedade vinda de todas as partes do país e do exterior. No campo político, foi necessário civilizar as desavenças e buscar o equilíbrio das questões partidárias. Entre o caos e uma possível ordem, alguma coisa tinha que ser feita e com urgência. Afinal, o ano é de eleições municipais e as disputas são inevitáveis.
Seria interessante, além de um dever de cada um de nós e dos candidatos, enfrentar a realidade, olhar ao redor e repudiar as promessas vãs. Cada ação política deveria valorizar a vida e a cidadania. Mas, definitivamente, não é assim. As atitudes dos administradores seriam fundamentais se as almas não fossem tão pequenas, se os interesses não fossem tão contaminados pela privatização e pelas verbas que rolam. Da reforma de uma praça, passando pelo lixo, pela limpeza de ruas e bueiros, pela canalização de um córrego, colocação do asfalto, sinalizações, carros tomando conta das calçadas, deslocamento de moradores de beira de rios e morros, melhoria dos serviços e por aí afora, a falta de respeito e de fiscalização é grande.
Os sentidos da urbanização precisam ser revistos e humanizados.
A política partidária evoluiu muito pouco! Tem caráter egoísta, redutor e revanchista. Desmantela ao invés de construir. É mais predatória do que civilizadora. Mais empresarial do que ética. Mais econômica do que social. Mais burocrática do que libertária. Mais individual do que coletiva. Os eleitos simplesmente acomodam seus interesses e os interesses dos apadrinhados para não perder nada e garantir os privilégios.
Hora do voto
“Desta hora, sim, tenho medo”. Busquei esta frase na canção “Anoitecer”, de José Miguel Wisnik
O momento é delicado e o jogo egocêntrico é superficial. As campanhas seguem recheadas de verbas absurdas, enquanto a miséria brota nas ruas. As promessas vazias zombam da gente quando acenam com a resolução dos problemas num passe de mágica. Poucos parecem realmente interessados em olhar sem máscaras para as ações ou omissões que geram ainda mais desigualdade, degradação, miséria, abandono, violência, medo. Poucos falam em uma política sadia, segura, livre das amarras da corrupção. Muito poucos! Alianças são necessárias, sim, mas não podemos abrir mão da nossa dignidade em nome de um cargo, de um favor e por aí afora.
Assim como não falei de educação e saúde, não vou falar de acessibilidade e inclusão, assuntos muito lembrados na hora do voto. Já ouvi absurdos e tenho histórias para contar, que vou deixar para outro texto.
Apesar do desencanto, precisamos apostar no voto! É um meio de manifestar nosso desejo de um governo honesto, transparente, conduzido por pessoas íntegras. Um governo que não tenha medo da diversidade, da nossa capacidade de pensar, da nossa criatividade, da memória que nos constitui, da arte que nos representa, do aprendizado múltiplo e libertário. Um governo que reconheça singularidades e não roube direitos legítimos para nos matar aos pouquinhos.
E assim, mais uma vez, a arte me ampara e me faz ruminar o fazer político como é, não como eu gostaria que fosse.
“Linhas Paralelas”, do poeta e prosador mineiro Murilo Mendes, nascido em 1901, traduz, com a sabedoria e a perspicácia da poesia, os movimentos políticos na prática, aqui, lá, acolá.
“Um presidente resolve / Construir uma boa escola / Numa vila bem distante. /
Mas ninguém vai nessa escola: / Não tem estradas pra lá. / Depois ele resolveu /
Construir uma estrada boa / Numa outra vila do Estado. /
Ninguém se muda pra lá / Porque lá não tem escola”
Encontrei esses versos na “Antologia Ilustrada da Poesia Brasileira – para crianças de qualquer idade”, organizada e ilustrada por Adriana Calcanhotto (Casa da Palavra).
*O texto original, que inspirou este, é de 2016. Reescrevi em março de 2018. Em fevereiro de 2024, revisitei e fiz uma releitura. Agora, faço a quarta. Conclusão: A política partidária não muda mesmo!
Foto da Capa: Freepik
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