A partir dos anos 1960, Porto Alegre começou a experimentar um longo processo de desindustrialização, perdendo suas fábricas para as cidades da Região Metropolitana ou vendo fechar inúmeras unidades por questões de mercado e pela falta de estímulo ao setor, que o próprio poder municipal exerceu. Acredito que essa mudança de perfil não tenha sido bem desenhada no passado pelos nossos gestores, a cidade perdeu muito de sua força econômica e, com isso, não conseguiu enfrentar de maneira satisfatória seus grandes problemas urbanos, ocasionados pelo crescimento populacional que ainda se observou até o final do século XX. Mas percebo que de alguns anos pra cá a cidade começou aos poucos a estabelecer parâmetros básicos pra retomar um caminho de prosperidade. Na verdade, foram estabelecidas ações muito mais de enfrentamento de seus problemas crônicos do que realmente uma estratégia pensada a longo prazo. Mas, enfim, melhor algum tipo de movimento do que a estagnação.
Entre esses movimentos o mais concreto e de maior significado no momento é, sem dúvida, a mudança na relação da população com o seu rio. E quando se fala nessa relação não estamos apenas estabelecendo novos pontos de vista para a observação do pôr do sol. É muito mais que isso. A cidade nasceu e se desenvolveu em função de sua posição geográfica, onde cinco rios desaguam num lago que tem uma conexão com o oceano Atlântico. Isso fala muito sobre esse lugar. O atracadouro inicial, que possibilitou trocas com todo o estado já no final do século XVIII e, posteriormente, com várias partes do mundo, estabeleceu uma relação inicial visceral com o Guaíba. Somos o que somos porque essa relação determinou um DNA de nascimento e nos fez crescer.
Até a construção do muro da Mauá, nos anos 70, lembro de ir com meus pais e irmãos nas docas da região do mercado para comprar frutas. Eram navios de um lado atracados no porto e pequenas embarcações de madeira, convivendo num mesmo cenário. Até hoje minhas memórias estão vivas. Era um lugar incrível e, de certa forma, isso está sendo resgatado com a urbanização da orla do Guaíba.
Pedalo muito nos finais de semana por ali e percebo a felicidade estampada no rosto das pessoas. Essa reaproximação da cidade com o rio está mudando realmente o imaginário da cidade. Até a autoestima do porto-alegrense melhorou (que acaba sendo retro-alimentada pela percepção positiva das pessoas de fora sobre a cidade). Algo que parecia óbvio vingou e, hoje, estamos com mais orgulho de Porto Alegre. Nada melhor do que isso.
Agora, temos que avançar nesse processo e resgatar a área do porto junto ao Centro Histórico, possibilitando novos investimentos que serão necessários pra bancar a revitalização dos armazéns e atrair mais turistas e gerar renda à população. E não existe recursos do poder público pra isso. É uma realidade, sem a contra partida da iniciativa privada não haverá esse avanço. O modelo proposto pelo BNDES é muito bom. Troca-se a possibilidade de construção de edifícios numa pequena área do complexo, hoje completamente degradada, pela restauração dos armazéns históricos para os mais diversos usos da população.
Perdemos nossas indústrias no passado, e com elas uma boa parte dos recursos que a embelezavam. Agora, parece que estamos diante de novas possibilidades, com a atração de investimentos nas áreas do turismo, tecnologia, hospitalar, cultura e novos tipos de serviços. Diante de tudo que percebi nas últimas décadas, acredito que realmente existe um projeto de restruturação da cidade. Não podemos voltar atrás.