“Que eu saiba, ninguém até agora formulou uma teoria dos prefácios. A omissão não deve nos afligir. Os prefácios, na grande maioria dos casos, são vizinhos da oratória de sobremesa ou de panegíricos fúnebres e abundam em hipérboles irresponsáveis que o leitor incrédulo aceita como convenções do gênero. Quando são propícios os astros, o prefácio não é uma forma subalterna de brinde. É uma espécie lateral da crítica”. J.L. Borges
Num precioso livro: “Prólogos con un prólogo de prólogos” (Alianza Editorial, 1988), Borges escreve 38 prefácios de livros publicados na Argentina no decorrer do tempo entre 1923 e 1974. Lendo-os, nos damos conta de que para ele os astros são sempre propícios. A erudição de Borges é variada e imensa. Analisa criticamente Carlyle, Cervantes, Edward Gibbon, Melville, Valéry com o mesmo viés crítico como faz com livros de Almafuerte, de José Hernandez, Macedonio Fernández e “A invenção de Morel”, de seu amigo Bioy Casares.
Modestamente, acrescenta que não sabe como os leitores receberão seus prefácios que abarcam tantas opiniões e tantos anos. E por fim – como costuma desenvolver seus intrincados contos – lança uma ideia fantástica. Borges nos informa estar elaborando um livro que consta de uma série de prefácios de livros ainda não escritos, onde se lerão citações exemplares dessas obras possíveis. E, por final, acrescenta que neles conviria eludir a paródia e a sátira e que os enredos deveriam ser aqueles que nossa mente aceita e almeja.
E é para isso que servem os prefácios. Trata-se de um gênero literário que anuncia, explica, critica e elogia um texto, o que nos induz a lê-lo. Nos palcos isabelinos, o prefácio era dito por um ator que anunciava o tema do drama, convidando o público a assisti-lo. Exemplo notável é o prefácio de Sartre do livro de Franz Fanon, “Os condenados da terra”. Um texto de cerca de 50 páginas, que se tornou clássico e que fez milhares de leitores conhecerem o terrível depoimento de Fanon denunciando as atrocidades do exército francês na Argélia. Os prefácios e mesmo os posfácios das peças de teatro de George Bernard Shaw tornaram-se famosos pela extensão em páginas e em análises críticas sócio-filosóficas da sociedade inglesa do seu tempo.
Alguém já disse que os prefácios são escritos para não serem lidos. Penso que a maioria dos leitores os lê em diagonal. Mas depois que prestarem a atenção nos prefácios de Borges e o de Sartre, dedicarão mais atenção aos mesmos e terão considerável prazer intelectual e conterão sua ansiedade para ler o que os prefaciadores anunciarem nas aberturas de livros.
Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras
Foto da Capa: Pexels
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