Para quem gosta de futebol, o melhor programa nesses dias de inverno tem sido assistir os jogos da Eurocopa que está sendo disputado por 24 seleções na Alemanha desde o final de junho. Além de futebol, nacionalismo e extremismo político entram em campo. Se as partidas de futebol são uma encenação de uma batalha, buscando-se derrubar defesas adversários, guerras e massacres reais são lembradas nos gramados e nas arquibancadas no Campeonato Europeu de Futebol.
As federações de futebol da região dos Balcãs foram multadas por diversos incidentes considerados como conduta antidesportiva, em situações envolvendo as torcidas e equipes da Sérvia, Albânia e Croácia.
A Batalha de Kosovo foi um evento crucial ocorrido em 28 de junho de 1389, durante o século XIV, na região dos Bálcãs. Esta batalha opôs as forças do Império Otomano, lideradas pelo sultão Murad I, e um exército da coalizão balcânica, liderada por um príncipe sérvio.
A batalha foi sangrenta, com baixas pesadas de ambos os lados, sendo lembrada como o início da dominação turca sobre a região. Para os sérvios, a Batalha de Kosovo Polje é lembrada como um símbolo de identidade nacional, sendo que a região, berço da Igreja Ortodoxa Sérvia, tem papel fundamental na cultura que moldou o nacionalismo sérvio.
Outro dia 28 de junho colocou os Balcãs no centro dos conflitos europeus. Nessa data, ocorreu o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria, em 1914, considerado como um dos estopins para a Primeira Guerra Mundial. O herdeiro do trono austro-húngaro, e sua esposa, Sofia, foram executados por tiros à queima-roupa enquanto passavam pelas ruas de Sarajevo, capital da província da Bósnia-Herzegovina, então parte do Império Austro-Húngaro.
Ecos dos tiros de 28 de junho de 1389 e de 1914 puderam ser ouvidos nas partidas das seleções balcânicas. As rixas também expuseram as cicatrizes deixadas pelas guerras ocorridas no processo de dissolução da Iugoslávia.
Como explicou o explica o professor de política internacional Tanguy Baghdadi, em entrevista ao site Trivela.
– Quando a Iugoslávia acabou, a Sérvia, que controlava de fato a antiga nação, usou medidas genocidas em diversos momentos contra croatas e albaneses – estes, particularmente no Kosovo. Foram guerras muito sangrentas e violentas envolvendo esses povos. Pela Sérvia ser considerada exatamente o núcleo da Iugoslávia, eles são responsáveis pelas atrocidades inacreditáveis feitas lá na tentativa de impedir a independência ou a separação desses outros países.
Na década de noventa, tivemos a Guerra da Croácia, entre sérvios e croatas, de 1991 a 1995, e a Guerra do Kosovo, nos anos 1998-9, entre os sérvios e a maioria de origem albanesa que aspirava se separar do governo de Belgrado e declarou independência sendo reconhecido por mais de 90 países (o Brasil não está entre eles).
De um modo bastante resumido, os sérvios são um povo eslavo que utiliza o alfabeto cirílico, possuindo afinidades com a Rússia, sendo que a maior parte da população se declara cristã ortodoxa; os croatas, de maioria católica, possuem uma identidade mais voltada ao Ocidente, o que incluiu a adesão ao nazifascismo nas décadas de 30 e 40 do século passado, e os kosovares são etnicamente albaneses, majoritariamente muçulmanos. Para completar a salada, a região do Kosovo também é central no nacionalismo albanês que surge após o fim do regime comunista na pequena nação.
Toda essa história milenar invadiu os gramados quando a seleção albanesa disputou essa Eurocopa. O pequeno país montanhoso, um dos mais pobres da Europa, com uma população que não chega a 3 milhões de habitantes e enfrentou justamente a Croácia.
Naquela partida, as torcidas das duas seleções se uniram para gritar “Matem os sérvios”, em sérvio, no estádio. No mesmo jogo, o atacante albanês Mirlind Daku (foto da capa) foi suspenso por dois jogos após ter empunhado um megafone para acompanhar a torcida nos cânticos antisérvios, além de soltar um sonoro “fodam-se os sérvios” e “fodam-se os macedônios”.
Faixas de torcida também fazem parte da guerra balcânica, com a torcida albanesa exibindo uma faixa com um mapa da “Grande Albânia”, abocanhando nacos de países vizinhos e incluindo o Kosovo na derrota por 2 a 1 contra a Itália. Já a torcida sérvia levou uma bandeira com um mapa que incluía o território disputado do Kosovo e o slogan “no surrender” na derrota por 1 a 0 contra a Inglaterra.
Porém, as polêmicas envolvendo nacionalismo radical e guerras não se restringiram aos Balcãs.
Na França, a líder da extrema direita Marine Le Pen trocou farpas com Mbappé e outros astros do selecionado francês que se posicionaram contra o avanço do seu partido. A líder francesa já declarou que “não se reconhecia” no selecionado nacional e questionou se os Bleus representavam o País, referindo-se aos descendentes de imigrantes que compõem a equipe. Nos últimos dias, a seleção multirracial francesa avançou às semifinais da competição enquanto Le Pen era derrotada nas urnas.
Na Alemanha, Björn Höcke, que já foi condenado por usar slogans nazistas ao final de um discurso em campanha eleitoral, criticou a seleção alemã por ser muito “woke”, muita diversa e não ser suficientemente alemã, declarando que não se identifica mais com a equipe.
O político do AfD (Alternativa para a Democracia) é seguido por colegas e eleitores do partido que consideram a seleção alemã “pouco branca”, escancarando o racismo diante de uma equipe formada por filhos de imigrantes turcos ou da Serra Leoa, entre outros locais do planeta.
Como se não bastasse todo esse coquetel explosivo, a competição é sediada na Alemanha, lar de uma numerosa minoria turca que viu o zagueiro Demiral, de sua seleção, ser suspenso após fazer o sinal dos Lobos Cinzentos, organização ultranacionalista, racista e antissemita, de caráter semelhante à extrema direita europeia. O aumento de seus adeptos na Alemanha é visto como ameaça por judeus, armênios e curdos, além de aterrorizar turcos opositores do governo Erdogan.
Conflitos nacionalistas, étnicos e religiosos influenciam nas arquibancadas e entram no gramado na Eurocopa. Mas ainda há quem diga que futebol são apenas 22 homens correndo atrás de uma bola.
Foto da Capa: Reprodução de Redes Sociais
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