Essa crônica não é feita para ti, caro leitor, cara leitora, e sim para quem fica azucrinando este cronista, enviando mensagens sobre porque eu deveria torcer contra o “Ainda Estou Aqui”.
Ainda assim, claro, conto com a tua leitura…
Eu te amo, meu Brasil!
Ah, Brasil!, como eu te amo!
É um amor intenso.
Crítico, mas verdadeiro.
Amor com todas as cores do arco-íris.
E entre todas as cores,
Amor verde!
Amor azul!
Amor amarelo!
Como é bom às vezes vestir a camisa da Seleção Brasileira e sair pelas ruas…
Como é bom algumas vezes pegar a nossa linda bandeira e colocá-la orgulhoso na janela do apartamento,
mesmo que isso só aconteça de quatro em quatro anos, na Copa do Mundo.
Mas nunca me verás sair por aí de verde e amarelo, jurando bandeira, batendo no peito.
Cantando o hino nacional
Para mostrar a minha brasilidade.
Confesso que muitas vezes nem lembro de cor o nosso hino e que espero, por um milésimo de segundo, que a pessoa ao meu lado siga cantando para eu não confundir as estrofes.
Mas canto ou assobio, de cor,
Quase tudo, de
Pixinguinha,
Dolores Duran,
Lupicínio Rodrigues,
Cartola,
Noel Rosa,
Chico Buarque,
Caetano Velloso,
Gilberto Gil,
Tom Jobim,
João Gilberto,
Paulinho da Viola,
Adoniran Barbosa,
Chiquinha Gonzaga,
Benito di Paula,
Roberto Carlos,
Erasmo Carlos,
Fagner,
Taiguara,
Luís Gonzaga,
Gonzaguinha,
Evaldo Gouveia,
Jair Amorim,
Carlos Gomes,
Batatinha,
Nelson Cavaquinho,
Herivelto Martins,
Dorival Caymmi,
Vinícius de Moraes
Lamartine Babo,
Ataulfo Alves,
Martinho da Villa,
Ary Barroso,
Belchior,
Villa-Lobos,
Edu Lobo,
Antônio Carlos & Jocafi,
Rita Lee,
Marisa Monte,
Renato Teixeira,
Jacob do Bandolim,
Sérgio Bittencourt,
Tim Maia.
Os grandes sambas-enredos das escolas do Rio de Janeiro e as principais machinhas de Carnaval.
Não preciso que algum palhaço vestido de verde e amarelo, pacote sem nada dentro, venha me dizer o que é ser brasileiro.
Tenho também uma razoável base para cantarolar no carro, em casa, em rodas de amigos, em rodas de MPB, Aldir Blanc Tom Zé Alceu Valença Cazuza Luiz Ayrão Guarânias mato-grossenses Djavan Raul Seixas João Bosco Peninha Angela Rô Rô Milton Nascimento Moraes Moreira Renato Russo E mais alguns e algumas que certamente estou esquecendo.
Não preciso que algum palhaço vestido de verde e amarelo, pacote sem nada dentro, venha me dizer o que é ser brasileiro.
Sei as escalações das seleções brasileiras vencedoras das Copa de 1958.
1962.
1970,
1994,
e 2002.
Também sei a escalação de algumas seleções que perderam, mas marcaram para sempre o meu coração e a história do futebol, como a de 1982.
Provavelmente eu ainda saiba de cor os resultados de todas as partidas e quem marcou cada gol.
Não preciso que algum palhaço vestido de verde e amarelo, pacote sem nada dentro, venha me dizer o que é ser brasileiro.
Não sou especialista, mas conheço bem as trajetórias de Maria Ester Bueno Éder Jofre Adhemar Ferreira da Silva Joaquim Cruz Émerson Fittipaldi Nelson Piquet e Ayrton Senna.
Do vôlei masculino e feminino do Brasil,
do basquete masculino e feminino do Brasil!
Sei tudo – ou quase tudo – sobre Pelé.
Não preciso que algum palhaço vestido de verde e amarelo, pacote sem nada dentro, venha me dizer o que é ser brasileiro.
Eu li muito, não tudo, infelizmente, de Érico Veríssimo, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira, Mário Quintana, Jorge Amado,
Cecília Meirelles,
Rubem Braga,
Olavo Bilac,
Lima Barreto
Castro Alves,
Ana Maria Machado,
Ruth Rocha,
Ziraldo,
Millôr Fernandes,
Monteiro Lobato,
José de Alencar,
Luís Fernando Veríssimo,
Fernando Sabino,
Paulo Mendes Campos.
Não preciso que algum palhaço vestido de verde e amarelo, pacote sem nada dentro, venha me dizer o que é ser brasileiro.
Estou correndo atrás de algumas lacunas, falhas imperdoáveis. Por isso agora tenho no criado-mudo livros de Clarice Lispector e Ariano Suassuna.
Preciso ler mais autores indígenas (mas li todos de Kaká Werá Jecupé, agora um consagrado premiado Jabuti, com quem tive a honra de trabalhar). Alguns escritores não li ou li muito pouco e provavelmente os perdi para sempre:
Caio Fernando Abreu,
Rubem Fonseca,
Rachel de Queiroz,
João Ubaldo Ribeiro
e tantos outros e outras.
Conheço algumas das minhas falhas.
Batalho para corrigi-las.
Na minha busca, não preciso que algum palhaço vestido de verde e amarelo, pacote sem nada dentro, venha me dizer o que é ser brasileiro.
Ainda busco melhor formação em artes plásticas.
Não frequentei muitas galerias.
Li muito menos do que gostaria e poderia.
Visitei alguns museus no Brasil, mas deixei de entrar em muitos.
Mas vi e li sobre
Tarsila do Amaral,
Portinari,
Anita Malfatti,
Brecheret,
Tomie Ohtake,
Lasar Segall,
Di Cavalcanti,
Aleijadinho,
Os Gemeos
e Eduardo Kobra.
Não preciso que algum palhaço vestido de verde e amarelo, pacote sem nada dentro, venha me dizer o que é ser brasileiro.
Li, mas deveria ter lido muito mais,
Paulo Freire,
Sergio Buarque de Hollanda,
Gilberto Freire,
Lilia Moritz Schwarcz,
Laurentino Gomes,
Euclides da Cunha
Não preciso que algum palhaço vestido de verde e amarelo, pacote sem nada dentro, venha me dizer o que é ser brasileiro.
No teatro, uma falha ainda maior.
Assisti às peças de
Nelson Rodrigues,
José Celso Martinês,
Antunes Filho,
Millôr
e algumas poucas mais.
Sim, insisto, conheço parte das minhas falhas.
Poderia, por exemplo, conhecer mais – bem mais – filmes brasileiros.
Vi parte da obra de
Glauber Rocha,
Nelson Pereira dos Anjos,
Cacá Diegues,
Fernando Meirelles,
Bruno Barreto,
José Mojica Marins (Zé do Caixão),
Arnaldo Jabor,
Anna Muylaert,
José Padilha.
Muitos foram poucos. Talvez menos de 50% das obras desses cineastas.
Sim, conheço parte das minhas falhas.
E confesso que “Ainda Estou Aqui” é o primeiro filme nacional que assisti em uma sala de cinema nos últimos cinco anos.
Mas não tem me convencer que eu não deveria torcer para que o cinema brasileiro conquiste seu primeiro Oscar.
Repito que não preciso que algum palhaço vestido de verde e amarelo, pacote sem nada dentro, venha me dizer o que é ser brasileiro.
Não me venha dizer que teu problema com o filme é “apenas” ideológico.
Palhaço vestido de verde e amarelo!
Reacionário! Sexista! Homofóbico!
Pacote sem fundo!
Pacote vazio!
Usurpador das cores brasileiras!
Usurpador da bandeira brasileira!
Nacionalista sem brasilidade!
Tu torces contra o país porque não sabes nada sobre Brasil que dizes amar.
Não sabes nada sobre tudo isso que escrevi acima.
Não torces para o Brasil porque não conheces o Brasil.
Eu te amo, meu Brasil!
Ah, Brasil!, como eu te amo!
É um amor intenso.
Amor agora saudoso.
Amor com todas as cores do arco-íris…
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Foto da Capa: Gerada por IA