Tudo passa. Tatuei essa frase em 2023 no meu braço. Mal sabia eu que ela me sustentaria, meses mais tarde, no hospital.
Em janeiro de 2024 infartei, sem aviso prévio. Um infarto que poderia ter me levado à morte, mas cá estou. Foram 4 dias de hospital, três de UTI, dois cateterismos, um stent. Números pequenos, para um susto grande e uma experiência que ainda inunda a vida e muitas emoções.
Por causa do cateterismo, que preferencialmente é feito pelo braço, mas que no meu caso foi pela perna, precisei ficar imóvel por algumas muitas horas. Nesse período, totalmente acamada, me senti à mercê de cuidadores, técnicos, enfermeiros, médicos. Uma sensação de impotência tão grande que não sei explicar.
Lembrei da minha mãe, que viveu por cerca de dois anos numa cama e de como ela tinha momentos de profunda revolta e medo. Lembrei também dos momentos em que ela, com autonomia da cama, cozinhava para a família, arrumava o jardim do seu apartamento, fazia as compras da semana e comprava os presentes para as netas.
Nossos pais sempre serão nossos exemplos. Às vezes, do que escolhemos não ser. Por isso, a convivência, a observação dos seus comportamentos, por mais que nos cause desconforto, pode nos alertar para questões em nós mesmos.
Naquele momento, na cama, sendo banhada, alimentada, me senti numa encruzilhada. Quem eu queria ser? Em qual lugar eu queria estar? Logo de cara, me senti muito envergonhada, exposta. Mas comecei a tomar algumas decisões.
Para mim, era importante conhecer as pessoas, sou alguém que gosta de conversar e saber a respeito das pessoas com quem convivo. Imagina de quem me cuida e troca minha cama e minha bunda!
Entendi que esse era o trabalho da equipe de saúde. Não adiantava lutar contra. Embaraço, mau humor, tristeza, só pioraria. Era meu papel ajudar. O fato de que estava num hospital com profissionais bem treinados, onde fui muito bem tratada, claro que facilitou.
Compreendi que minha dignidade e meu respeito próprio iam além da minha situação de acamada. Pensei na Frida Kahlo e Stephen Hawking, pessoas que eu admiro por suas obras e legado, e que também tiveram experiências como essa. Imaginando que mantiveram essas características. O que ali estava presente era minha capacidade de me colocar vulnerável frente aquela situação. E que a vulnerabilidade é diferente de submissão ou humilhação, é a coragem de ser imperfeito, colocar-se verdadeiro e real ao outro, com sentimentos e as nossas vergonhas (Leia Brené Brown ou assista seu documentário na Netflix).
E, finalmente, me coloquei grata a todas as pessoas, desde a equipe técnica, aos familiares, aos amigos, ao hospital. Que bom poder contar com toda essa rede. Estava viva.
Essa foi uma das experiências transformadoras que vivi nesses poucos dias de hospital. Conseguir enxergar alguém acamado como uma pessoa corajosa na sua vulnerabilidade, fazendo escolhas difíceis, como a de confiar no outro, apesar do medo de ser manuseada. Manter o bom humor e o esperançar, conforme o escrito na pele: tudo passa. E, se não tem solução e não passar, tá resolvido, bola pra frente.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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