Tenho visto muitas pessoas com dúvidas sobre a possibilidade de fazer a partilha, seja em razão de herança ou de dissolução de vínculo conjugal, nos regimes da comunhão universal ou da comunhão parcial, dos valores das aplicações em VGBL e PGBL. Entendo ainda existirem tais dúvidas porque foram necessários alguns julgamentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que houvesse uma sinalização mais forte da natureza das referidas previdências. Até profissionais que oferecem aos clientes tais modalidades de previdências privadas abertas ainda fazem confusão, entendendo que elas não seriam passíveis de serem inventariadas ou partilhadas, o que, depois de importantes julgamentos do STJ, não deveria acontecer. Para piorar, tem sempre aquele que se acha mais herdeiro ou mais merecedor dos valores de tais produtos pelas razões mais justas ou estapafúrdias possíveis, e a dificuldade de partilhar se apresenta, tornando ainda mais difíceis eventos que por si só são muito dolorosos.
Vida Gerador de Benefício Livre – VGBL e Plano Gerador de Benefício – PGBL são duas modalidades de previdências privadas abertas, nas quais são depositados mensalmente valores para que no futuro se convertam em renda.
Conforme salientado na ementa do RESP 1726577, julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 14/09/2021, com a relatoria da Ministra Nancy Andrighi:
“Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira. (…)
4- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão, apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG).
5- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.
6- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.”
Como se vê, no período anterior à percepção dos valores, a natureza que prepondera é a de investimento, e essa é a razão pela qual obviamente tais valores devem ser partilhados.
No mesmo sentido, o STJ, em 07 de março de 2023, no julgamento do Recurso Especial nº 2004.210 – SP (2018;0337070-7), a Quarta Turma do STJ reforçou o entendimento e salientou a natureza multifacetada dos planos de previdência privada complementar aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, como é o caso do VGBL, pois ora se assemelham a investimento ou a aplicação financeira. Durante o período em que estão sendo realizadas as contribuições e até mesmo retiradas antecipadas, a natureza é de investimento e, portanto, tais valores devem ser objeto de partilha. Todavia, se tiver havido a conversão em renda como pensionamento do titular, não caberá mais ser partilhado. A idade e a condição de saúde do titular do VGBL e a venda de um imóvel para que os recursos recebidos sejam depositados em VGBL também evidenciam a condição de investimento.
A este passo, vale transcrever a ementa do julgado acima referido:
“1. Os planos de previdência privada complementar aberta, operados por seguradoras autorizadas pela Susep, dos quais o VGBL é um exemplo, têm natureza jurídica multifacetada porque, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com ampla liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, ora se assemelham a seguro previdenciário adicional, ora se assemelham a investimento ou aplicação financeira (Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP).
2. A natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é a regra e se evidencia no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter determinado padrão de vida (Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP).
3. No período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, em casos excepcionais, pode ficar caracterizada situação de investimento, equiparando-se o VGBL a aplicações financeiras (Terceira Turma, REsp nº 1.726.577/SP).
4. Na hipótese excepcional em que ficar evidenciada a condição de investimento, os bens integram o patrimônio do de cujus e devem ser trazidos à colação no inventário, como herança, devendo ainda ser objeto da partilha, desde que antes da conversão em renda e pensionamento do titular.
5. Circunstâncias como idade e condição de saúde do titular de VGBL e uso de valores decorrentes da venda do único imóvel do casal evidenciam a excepcionalidade e indicam a condição de investimento.”
Vale salientar, entretanto, que conforme publicado no site do STJ, o saldo depositado em previdência fechada durante a vida conjugal não integra o patrimônio comum porque tais previdências geridas “por entidades fechadas são restritos aos funcionários de uma empresa ou grupo de empresas, aos servidores públicos de entes federativos ou a membros de associações classistas ou setoriais.”.
Conforme divulgado no site acima referido, em 03/03/2022, para a ministra Isabel Galotti, “Na modalidade fechada de previdência privada, foi estabelecido conceito específico de resgate, com regras restritivas que impedem sua utilização a qualquer tempo, circunstância que afasta a liquidez própria das aplicações financeiras”, destacou a magistrada.
Além disso, ela ponderou que as entidades fechadas atuam integradas ao sistema oficial de previdência social, de modo que suas atividades se submetem à fiscalização da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC).
Para a ministra, “no segmento fechado, os proventos de complementação de aposentadoria e o resgate de reserva de poupança realizado após a extinção do vínculo matrimonial, nos termos da legislação específica e regulamentos que regem essa modalidade, não se confundem com investimentos em instituição financeira, mas possuem nítido feitio previdenciário, enquadrando-se nas definições de pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes – verbas excluídas da comunhão nos regimes da comunhão universal ou parcial de bens”.
Deste modo, se você quer, por exemplo, beneficiar algum herdeiro em detrimento dos outros, opte por um seguro de vida, por um testamento, uma doação, deixando clara na escritura que ela sai da parte disponível, por exemplo, pois VGBL ou PGBL podem não ser a melhor escolha. Eu sei que este assunto é delicado e até árido, mas em algum momento da sua vida, quem sabe possa ser importante ter este conhecimento. Uma boa semana a todos.
Foto da Capa: Freepik
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