Achei uma grande sacada do Porta dos Fundos entrevistar no “Vrau Cast”[1] o pastor, professor, poeta, ator e deputado federal pelo PSOL Henrique Vieira. O programa trata de humor, política e religião, enquanto os entrevistadores fazem perguntas idiotas, o entrevistado responde com sabedoria. O propósito é justamente este, fazer uma sátira aos “podcasters” babacas que querem saber mais do que os especialistas entrevistados, ao mesmo tempo que tocam num tema sensível, que é a vida de Jesus e a interpretação da Bíblia.
Num certo momento, um dos entrevistadores pergunta por que Jesus disse que os ricos não podem entrar no céu? O pastor explica que Jesus tem compromisso com os empobrecidos e que em suas pregações questionava o acúmulo de riqueza em poucas mãos. Então, o entrevistador insiste na pergunta: “Então me diga, o Luciano Huck vai ou não vai para o céu?” Aí começa um debate entre os dois entrevistadores e eles chegam à conclusão de que o Luciano Huck é o Jesus da contemporaneidade, pois ele ajuda os pobres e faz mais do que Jesus fazia, pois além de dar o pão, ele só entrega o prêmio para quem faz por merecer, para quem “se vira nos trinta”. Por fim, achei hilária a pergunta: “O que o senhor acha se todo brasileiro puder um dia ter a sua própria igreja e assim conquistar a sua independência financeira?” O pastor aproveita a oportunidade e fala sério: “Discordo totalmente deste objetivo da Igreja, o enriquecimento, discordo completamente da lógica do Pastor Macedo, ele é um exemplo desta mercantilização da fé, ele vai enriquecendo e os seus fiéis na base vão empobrecendo. Ele usa e manipula o nome de Jesus para o benefício próprio”. Acho que já dei spoiler suficiente, mesmo assim recomendo você assistir este episódio. Apesar de se tratar de um programa de humor, ele apresenta o posicionamento de um pastor progressista que enfrenta os seus colegas poderosos. Sobre esta questão é que eu quero refletir e discutir o que é ser “progressista” ou “conservador” na religião.
Eu considero pastores como Henrique Vieira (foto da capa), Ed René Kivitz, Caio Fábio (foto da capa) e alguns outros como progressistas por defenderem causas polêmicas na sociedade, como a descriminalização do aborto, o direito de manifestação das religiões de matriz africana, a discussão de gênero, entre outras. Quem representa o pensamento conservador? Uma parte da classe média e dos ricos e a maioria das camadas populares. Sim, é boa parte dos mais pobres que, por influências das próprias igrejas, representam o pensamento mais conservador, que se opõe ao progressista e que espera por milagres.
Tem-se aqui um paradoxo, os pastores progressistas são identificados com os mais pobres, que são conservadores. Algo semelhante ocorreu com os seguidores da Teologia da Libertação na década de 1970, quando houve um crescimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), mas depois, com perseguição dos líderes deste movimento pelo Vaticano e por uma certa “direitização” da população, este projeto acabou se pulverizando, restando alguns padres fazendo trabalhos isolados, como o Padre Júlio Lancellotti em São Paulo.
Por que os pobres abandonaram as CEBs, os trabalhadores deixaram os sindicatos, os militantes abandonaram os partidos, os estudantes esvaziaram o movimento estudantil e ninguém mais aguenta participar de reuniões de discussão política? Esta é uma discussão mais profunda, mas talvez possamos dizer que ficamos todos mais preguiçosos do que na década de 1970. Tá certo que vivemos numa época de redes sociais e a forma de comunicação e de troca de ideias mudou, mas vamos combinar que ser ativista no celular é bem mais fácil do que participar de reuniões, fazer cartazes e ir para as ruas protestar.
Voltando aos pastores progressistas, me parece que eles possuem dois enormes desafios. O primeiro, o de conseguir conscientizar o povo simples que acredita nos milagres prometidos pelas igrejas conservadoras. E o segundo, é sobreviver neste meio que envolve milhões de fiéis, muito dinheiro e muito poder em jogo. Os poucos pastores progressistas que existem não possuem redes de TV e nem o poder de “Malafaias e Macedos”. Nem são multinacionais como a Igreja Lagoinhas do pastor André Valadão, que incentiva os fiéis a não mandarem os seus filhos à faculdade, e diz que é melhor eles irem vender picolé na garagem[2]. Na Câmara Federal, a bancada evangélica possui 92 deputados e o Dep. Henrique Vieira é o único pastor que não faz parte dela. Me pergunto: será que estes pastores progressistas vão conseguir enfrentar os poderosos apenas com a palavra e com a sua coerência? Conseguirão eles aumentar os seus seguidores ou serão crucificados?
Referências:
(1) Vrau Cast: Padre Henrique Vieira
(2) André Valadão incentiva fiéis a não mandarem filhos à faculdade em vídeo
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