A palavra pátina não tem uma sonoridade atraente, tampouco é muito usada. Na verdade, ela não é nem mesmo muito apreciada. Pátina revela idade, esse é o problema. Vivemos um tempo onde envelhecer é tabu. Nem sempre foi assim, mas o mundo ocidental contemporâneo não gosta da passagem do tempo. Buscamos a permanência, jovem de preferência. Nada deve demonstrar o quanto o tempo é implacável conosco e nossos bens. Gostaríamos de parar os relógios.
Se é certo que não conseguiremos pará-los, podemos usar recursos para atenuar sua presença em nossas vidas. Não, não vou falar da atuação da indústria da eterna juventude sobre nossos corpos. Meu interesse aqui é a arquitetura e sua dura tarefa de responder a esse espírito do tempo. Parece contraditório? Pois é. Construções, apesar de sua aparente solidez, também envelhecem, criam pátina…
Não se troca de morada como se troca de roupa. Por mais que o mercado tente modificar isso, o ciclo de produção e obsolescência da arquitetura é longo. Uma casa, por exemplo, não tem o desgaste de um automóvel. Com um bom sistema de manutenção e eventuais atualizações, uma edificação pode atravessar os séculos. Exemplos não faltam.
Para satisfazer os desejos contemporâneos, é preciso, então, impedir que a idade transpareça. A indústria de materiais de construção tem investido cada vez mais em produtos — revestimentos, pisos, esquadrias, pinturas, etc. — que não se desgastam, não se deformam, que se apresentam sempre impecáveis e brilhantes como se o tempo não tivesse passado. Ou, melhor, que nem se perceba que existiu. É uma ilusão, mas tem funcionado. Se um porcelanato ou alumínio, super duráveis, podem substituir uma madeira que envelhece, imitando sua imagem, por que não utilizá-lo?
Porque se perde pureza ética e estética. Tem coisa mais bonita que observar o desgaste de um degrau de madeira que sofreu dezenas de pisadas? E o que dizer dos degraus de mármore como os da Biblioteca Pública de Porto Alegre e tantos outros que sobrevivem por aí abaulados com uma suavidade sensual que só as décadas conseguem fazer? Ou o prazer de caminhar no assoalho das passarelas da Fundação Iberê Camargo ouvindo os próprios passos e, de quando em quando, um rangido que parece um gemido?
Como não prestar atenção numa mesa antiga com suas marcas que falam das milhares de refeições que foram feitas nela? Ou num mármore de cozinha desgastado pelo uso? E, pra ir mais longe, na cor desbotada das fachadas romanas? Substitua tudo isso pelo vidro, alumínio ou aço inox para se dar conta do distanciamento de nós mesmos que estamos criando à nossa volta.
Lina Bo Bardi, arquiteta que projetou o Museu de Arte de São Paulo (MASP), falava explicitamente em deixar as marcas do fazer humano em sua arquitetura. A mão do operário, ela dizia. Essa expressão tinha o significado de deixar o registro de uma técnica, de um modo de fazer uma arquitetura que era muito mais artesanal. Suas paredes de concreto à vista são vivas, envelhecem, mostram pontos de ferrugem, limo! É certo que dão dores de cabeça aos restauradores, mas são lindas, nos contam uma história.
Quais opções que o mercado oferece hoje? Porcelanato imitando concreto à vista! É de chorar. O argumento é que não envelhece, é lavável e não tem aqueles defeitos dos originais (as mãos do fazer). Sim, esse é o problema: são a perfeição de uma mentira. Mas quem ainda se importa com a verdade dos materiais?
Como a maioria deles ainda se deteriora com o passar dos anos, outro recurso que se tem adotado é substituí-los constantemente. O tal do retrofit. Uma lástima para quem, como eu, aprecia história, gosta de ver a ação do tempo sobre a cidade, os objetos, as pessoas. Retrofit é diferente de restauro, ele mascara a idade do edifício apagando seus rastros temporais. Restauro, ao contrário, conserva as propriedades originais do imóvel, revitaliza-o sem desfigurá-lo com operações plásticas rejuvenescedoras. Quando necessidades contemporâneas exigem intervenções mais profundas, o caminho é a rearquitetura que já comentei em coluna anterior.
Mas a melhor solução que o mercado encontrou para a arquitetura ficar em dia com seu tempo é a substituição. O demolir e construir. Nossas cidades vivem no ritmo frenético desse processo. Nunca ficarão prontas, nunca alcançarão a tão sonhada perenidade. Um contrassenso, não? Pior: produzem mais entulho do que felicidade. Não compensa.
Foto da Capa: Luísa Kiefer / Acervo do Autor
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