A PEC 77/2019, que visa estabelecer um mandato para os Ministros do STF e uma outra forma de escolha dos seus membros, é muito mais ampla do que normalmente mencionado nos noticiários, jornais e na internet. Ela, seguindo a mesma lógica estabelecida para as alterações que afetarão o Supremo Tribunal Federal (STF), causará profundos impactos em todos os Tribunais Superiores, isto é, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Tribunal Superior do Trabalho (TST), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e no Superior Tribunal Militar (STM).
De forma sucinta ela estabelece que parte dos Ministros dos Tribunais Superiores serão escolhidos pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados. Além disso, estabelece que os Ministros do STF terão mandato de 8 (oito) anos, permitida recondução, e serão escolhidos dentre Ministros de tribunais superiores ou Desembargadores. Ela também altera a quantidade de Ministros do STJ e do TST que é escolhida dentre advogados e membros do Ministério Público, estabelece a competência das comissões do Congresso Nacional para convocar membros de tribunais superiores, tribunal de contas e do Ministério Público Federal, quando houver indício de abuso de prerrogativas, e fixa em 70 anos a aposentadoria compulsória dos servidores públicos.
Com a PEC altera muita coisa, vou me deter nos dois assuntos que estão sendo debatidos imensamente pela sociedade, pelos políticos, e é assunto constante nas redes sociais, ou seja, nas alterações que impactam diretamente o STF.
A primeira alteração determina que os onze Ministros do STF serão escolhidos da seguinte maneira:
i. 3 (três) serão eleitos pelo Senado Federal,
ii. 3 (três) serão eleitos pela Câmara dos Deputados
iii. e 5 (cinco) serão escolhidos pelo Presidente da República dentre Ministros de Tribunais Superiores, desembargadores ou juízes de Tribunais, com mais de cinquenta e cinco anos de idade.
Forma de Nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal:
I – pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional quando a alguma das suas Casas couber a eleição;
II – pelo Presidente da República, quando lhe couber a escolha
Duração do mandato dos Ministros
O mandato dos Ministros terá duração de 8 (oito) anos, a contar da data da vacância do cargo anteriormente ocupado, permitida recondução.
Efeito da posse no cargo de Ministro do STF
A posse no cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal implica licença do cargo ocupado, e o retorno ao cargo anterior independe de vaga no Tribunal de origem, devendo funcionar o Magistrado como julgador extraordinário.
Escolha dos próximos seis Ministros do STF
Deverá ser feita pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, alternadamente, sendo que as escolhas posteriores serão feitas pelo órgão que tiver indicado o Ministro cujo cargo está vacante.
Justificação da PEC
Os autores da PEC justificam que ela objetiva prever critérios que tornem a escolha dos Ministros menos concentradas na figura de um único agente político. Haveria então uma democratização na formação do Poder Judiciário, e uma maior pluralidade de perfis e ideias nos tribunais.
Os Senadores citaram como exemplo o Conselho Constitucional Francês, composto por nove membros não vitalícios, dos quais três são indicados pelo Presidente da República, três pelo presidente da Assembleia Nacional e três pelo presidente do Senado.
Mencionaram também que na Itália, a capacidade de escolher um membro da Corte Suprema de Cassação é mais ampla, pois além do Presidente e do Congresso, o próprio Poder Judiciário participa da escolha.
Destacaram que na Alemanha os oito membros da Corte Federal Constitucional são eleitos por cada uma das Casas Parlamentares, Bundestag, equivalente à Câmara dos Deputados, e Bundesrat, equivalente ao Senado Federal.
Dentre outros países que estabelecem um mandato vale mencionar a Espanha e Portugal. De modo diverso, nos Estados Unidos os magistrados podem exercer suas funções “enquanto bem servirem”, ou quando voluntariamente quiserem deixar o cargo. Não há a obrigatoriedade de se aposentarem.
Reações
A revista Crusoé, no dia 03/10/23, noticiou que o Ministro Gilmar Mendes (foto da capa) escreveu, o abaixo transcrito, nas redes sociais sobre a PEC instituir um mando fixo para os Ministros do STF:
“Agora, ressuscitaram a ideia de mandatos para o Supremo. Pelo que se fala, a proposta fará acompanhar do loteamento de vagas, em proveito de certos órgãos. É comovente ver o esforço retórico feito para justificar a empreitada: sonham com as Cortes Constitucionais da Europa (contexto parlamentarista), entretanto é que acordem com mais uma agência reguladora desvirtuada. Talvez seja esse o objetivo”.
“A pergunta essencial, todavia, continua a não ser formulada: após vivenciaremos uma tentativa de golpe de Estado, porque pensamentos reformistas se dirigem apenas ao Supremo?’
Em resposta o Senador Plínio Valério, um dos autores da PEC, respondeu:
“Na qualidade de autor da PEC que propõe a implementação de mandatos para ministros do Supremo Tribunal Federal, afirmo que o ministro Gilmar Mendes está redondamente enganado: a proposta não tem nada de mais, a não ser impor ao Supremo o sentimento de que eles não são semideuses e que estão sujeitos a mudanças”.
“É importante destacar que a minha intenção ao apresentar a PEC foi promover uma visão mais equilibrada e democrática do funcionamento do Supremo Tribunal. Limitando o mandato, certamente eles se sentirão como seres humanos normais, juízes que exercerão, por um mandato, uma função Suprema na Corte e que estão sujeitos a avaliações e aperfeiçoamentos periódicos”
Em reposta a pergunta do Ministro Gilmar Mendes, acima reproduzida, o Senador esclareceu que “É relevante observar que essa PEC foi apresentada em março de 2019, antes da boiada passar, e não deve ser vista como um ato de revanchismo. Acredito firmemente que a implementação de mandatos para ministros do Supremo contribuirá para revitalizar o STF e aperfeiçoar a nossa democracia.”
Com todo respeito ao Ministro Gilmar Mendes, considero salutar, necessário e democrático todo o debate e os questionamentos que essa PEC está causando na sociedade em geral. Sou favorável a rotatividade de pessoas em altos cargos. O sol nasceu para todos, existem muitas pessoas aptas a exercerem tais funções com igual ou maior competência. Cargo público vitalício por indicação me lembra algo medieval, algo concedido por um poder divino.
Por melhores que sejam os atuais membros do STF, a troca periódica dos ministros poderá levar outros pontos de vista ao STF. O próprio fato de os ministros serem membros da mais alta “Corte” do Brasil, já é algo que pode afastá-los da realidade do dia a dia a que são submetidos os brasileiros. Como se vê em reiteradas notícias, envolvendo xingamentos e ofensas, dificilmente os ministros podem sair na rua com plena liberdade para frequentar as ruas ou lugares públicos e se comunicarem com o povo, sem que haja um distanciamento, até mesmo um temor reverencial. Além disso, a liturgia do cargo é tão grande, que se um advogado após ter se dirigido a um ministro como “Vossa Excelência”, usar no meio de uma sustentação o digno “você”, seu raciocínio será interrompido, por uma repreensão ao vivo e a cores, transmitida pela televisão, que prejudicará seu raciocínio e indiretamente o seu cliente. A formalidade é mais importante, ainda que a eficiência da distribuição da justiça seja prejudicada. Assim, com todo esse afastamento da população e até mesmo dos advogados, é bem provável que depois de algum tempo os ministros fiquem presos ao seu estilo de vida tão diferente do resto da população, e que tenham uma certa dificuldade de entender o pensamento do povo, da sociedade, que está sempre a mudar. Acabem interagindo, preponderantemente, com seus subordinados ou pessoas da mesma classe social e nível cultural. Desse modo, estipulação de um mandato de 8 (oito) anos para os ministros, seria obviamente muito benéfico para o país, uma possibilidade de novas ideias, novas percepções da vida e do que é justo.
Infelizmente, creio que essa PEC não irá ser aprovada e promulgada, e que tudo continuará como está. No dia 11 de outubro foi noticiado pelo “direitonews.com.br, que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira sinalizou ministros da Corte que pautas incômodas não avançarão na casa comandada por ele. Que lástima! O Brasil é mesmo um país resistente a mudanças. Ademais, as consequências políticas podem ser desastrosas para os três poderes, caso a PEC venha a ser aprovada e promulgada pelo presidente da república e o STF a considerar inconstitucional. Quem irá bater o martelo nesse caso? De qualquer forma, vale a discussão, a sinalização do Senado para o STF de que a sociedade não está tão satisfeita assim com a atuação dos ministros. Essa PEC é uma forte indicação de que algo não está bem no STF. O que será?
Foto da Capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil