Nos últimos dias, muito foi comentado e debatido na imprensa e nas redes sociais a Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) de autoria da Sra. Erika Hilton que, de acordo com a redação original proposta, visa dispor sobre a redução da jornada de trabalho para quatro dias por semana no Brasil, ou seja, vai bem além do fim da Escala 6×1 (seis dias trabalhados e um de descanso remunerado).
Embora essa PEC altere apenas o inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal, o impacto que ela pode ter em setores em que tradicionalmente as pessoas trabalham quase todos os dias, sobrando-lhes apenas um dia livre para cuidarem das suas vidas pessoais, conviverem com os familiares e descansarem pode ser grande, significando um custo maior para muitas empresas que obviamente será repassado no preço dos serviços e bens produzidos. Contudo, considero o fim dessa Escala 6×1 positivo, pois essa imensa carga de trabalho, a meu ver, causa até mesmo um dano existencial para as pessoas que são submetidas a essa exaustão toda, há um verdadeiro aniquilamento da qualidade de vida do trabalhador.
A nova redação proposta pela PEC para o inciso XIII é a seguinte:
“XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;” (NR)”
A justificativa dessa PEC esclarece que essa emenda decorre das “demandas e reivindicações dos trabalhadores, por meio de mecanismos participativos, como a petição pública online do Movimento “Vida Além do Trabalho”, organizado pelo trabalhador Ricardo Azevedo, em que quase 800 mil brasileiros e brasileiras cobram do Congresso Nacional o fim da jornada 6×1 e adoção da jornada de trabalho de 4 dias na relevância e o respaldo significativo da sociedade em relação à necessidade de reformas na legislação trabalhista.”
O cerne dessa PEC é a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares, algo que já acontece ou vem acontecendo nos países mais civilizados e inclusive nos países emergentes. As relações de trabalho vêm mudando rapidamente no mundo inteiro e adaptações precisam ser feitas para essas novas realidades também no Brasil.
No Brasil, me chama atenção que os fatores de produção capital, terra e recursos naturais são extremamente bem remunerados, enquanto a remuneração do fator de produção trabalho é tão baixa que muitos trabalhadores e seus familiares muitas vezes sequer contam com um mínimo existencial para ter uma vida digna. Observei que nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Suíça, mesmo aqueles empregados que desempenham atividades menos complexas têm uma remuneração mais digna e que a remuneração do capital dos bancos não é tão elevada quanto no Brasil. Por exemplo, muitas pessoas conseguem realizar o sonho da casa própria por meio de financiamentos cujas taxas de juros são bem mais acessíveis do que as oferecidas pelos bancos brasileiros. Grandes empresas preferem buscar financiamentos em bancos fora do Brasil, ainda que tenham de correr o risco de uma variação cambial, que pode ser mitigado por um contrato de “hedge”, pois os juros cobrados pelos bancos brasileiros são altíssimos, estratosféricos.
Da mesma forma, o fator de produção terra remunera muito bem os detentores da terra, enquanto seus empregados não raramente levam uma vida miserável. Obviamente, eu entendo a diferença econômica e o risco do detentor da terra, mas seus empregados poderiam ter uma vida mais digna, como ocorre nos países capitalistas, por exemplo, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Suíça. Por favor, não pensem que sou comunista, acredito no liberalismo, mas não precisa que haja tanta desigualdade econômica e social como ocorre no Brasil.
Voltando à PEC, na sua justificativa está mencionado que “as disputas pelo tempo de trabalho que precisam sempre ser atravessadas pelas dimensões do impacto econômico dessas decisões”. A economista Marilane Teixeira, da UNICAMP, entende que com a adoção da redução da jornada de trabalho sem redução dos salários, como consequência, teríamos o impulsionamento da economia brasileira e a redução de desigualdades, à medida que o aumento do consumo demandaria maior produção de serviços, resultando em mais contratações. Além de garantir mais postos de trabalho, o que diminuiria os níveis de desemprego no país, para Marilane: “Com jornadas menores, quem trabalha vai ter mais tempo para lazer, para os estudos, para a vida pessoal, vão aproveitar melhor o tempo, inclusive consumindo mais. A atividade econômica também melhorará”.
Concordo plenamente com isso, uma melhor remuneração para os trabalhadores aumentará a massa crítica necessária para a alavancar o comércio, as receitas dos empresários e inclusive a arrecadação de tributos.
Muito importante também considerar as informações fornecidas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), mencionadas na PEC, que “demonstra em suas notas técnicas sobre a redução de jornada de trabalho que a situação atual no Brasil em relação ao tempo de trabalho é muito negativa para os trabalhadores. Pois temos uma situação de duração longa da jornada de trabalho (com as 44 horas semanais soma-se ainda a realização de horas extras), ritmo intenso de trabalho e flexibilização da jornada em favor dos empregadores.”
Esta PEC também é fundada no entendimento de que uma redução na jornada de trabalho traria como consequência a inclusão de jovens nas atividades laborais e poderia inclusive causar a produção de 6 milhões de novos empregos.
Sou favorável ao fim da escala 6×1, no entanto, considero complicado para os empregadores e para o próprio país uma jornada de trabalho de apenas 4 dias. Não esqueço o ensinamento de uma professora na faculdade de economia da PUCRS, nos anos 80, de que “um país se faz com trabalho”.
O Brasil pode ser um país rico em recursos naturais, ter um PIB expressivo, mas a nossa renda per capita ainda é muito baixa, ainda que esteja melhorando, como publicado no site Gov.br, onde foi mencionado que a “Renda média per capita no Brasil cresce 11,5% e atinge maior valor em 12 anos” e que os “Dados divulgados pelo IBGE mostram que o valor de R$ 1.848 é o maior da série histórica da pesquisa, que teve início em 2012. Aquecimento do mercado de trabalho e programas sociais, como o Bolsa Família, contribuíram para o avanço do indicador”.
Muito interessantes os dados trazidos com essa PEC com relação aos programas-piloto de implementação de jornada de 4 dias no Brasil e no Reino Unido. A justificativa informa que no Brasil aderiram a esse programa cerca de 22 empresas com até 250 colaboradores.
Conforme destacado na PEC, os resultados do programa-piloto do Reino Unido “são muito relevantes para comparar essas experiências brasileiras: i) 2900 colaboradores de 61 empresas participaram da proposta; ii) 92% das empresas continuarão com a semana 4 dias após o término da avaliação; iii) 39% dos colaboradores se sentiram menos estressados; iv) 71% reduziram sintomas de burnout; v) 54% achou mais fácil conciliar vida pessoal e profissional. Um dos mais significativos impactos mensurados foi o aumento de 1,4% na receita comparando com período similar de anos anteriores. A receita das empresas aumentou em média 35%. Além disso, o turnover (que seria a taxa de rotatividade dos empregados) reduziu 57% no período do programa-piloto.”
Acho difícil que essa PEC seja aprovada em um curto prazo de tempo, pois será necessário um grande debate político da sociedade e ela vem de encontro ao desejo dos detentores dos demais fatores de produção no Brasil, que pouco valorizam a mão de obra que lhes garante um bom lucro.
Impossível não lembrar que o Conselho Nacional de Justiça aprovou há poucos dias a Resolução 528, de 20 de outubro de 2023, do CNJ, assinada pelo presidente do órgão e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que equipara os direitos e deveres da magistratura aos do Ministério Público. Desta forma, os juízes também terão direito a até 120 dias de folga por ano, além dos dois meses de férias e dos períodos de recesso, sendo que este benefício será limitado a 10 licenças por mês, e para aqueles que decidirem não usar as folgas, elas serão convertidas em indenizações.
E você, o que acha dessa PEC e do número de dias de folgas permitidos ao judiciário e ao Ministério Público?
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Foto da Capa: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados