Nasce um personagem nacional: Pedro Maluco, o cafajeste corporativo.
O Pedro real, que inspirou a alcunha, deve voltar em breve ao lugar na História que sempre lhe coube – a insignificância – mas o apelido conquistado ao longo de anos de comportamento indigno merece permanecer nos autos da infâmia nacional como sinônimo de um perfil muito específico de canalha. Até agora, Pedro Maluco era uma criatura à procura de autor, um herói sem caráter à espera de batismo: existia, mas não tinha nome. Ou melhor, tinha todos e nenhum em particular.
Quase todas as mulheres que eu conheço já toparam com um Pedro Maluco. Quando comecei a trabalhar, nos anos 1980, os Pedros Malucos ainda reinavam absolutos e inquestionáveis nos cargos de chefia. Não havia ouvidoria ou código de conduta que resolvessem a parada: o mundo do trabalho era deles, e as novas colegas que se adaptassem às piadas, às cantadas, aos toques indesejados, aos convites. (Para o meu gosto, o melhor retrato dos diferentes tipos de constrangimento que as mulheres de classe média enfrentaram quando ingressaram para valer no mercado de trabalho, no início dos anos 1960, está na série Mad Men. Se nos escritórios acarpetados e bem refrigerados de Manhattan era daquele jeito, imaginem no Brasil.)
Três atributos básicos identificam o Pedro Maluco clássico: poder, ainda que mínimo, donjuanismo, ainda que não autorizado, e vaidade, ainda que risível. O sujeito não apenas dá em cima da subordinada, mas faz isso quase sempre de forma escancarada, como se desfrutasse dessa prerrogativa por ter nascido homem e ocupar um cargo de chefia. Sua tara, me parece, não é exatamente o sexo oposto, mas o jogo de cena para a plateia masculina. Nem todos os homens que cercam os Pedros Malucos agem como eles, mas os que assistem calados ao espetáculo – e riem das suas piadas – contribuem para a naturalização da performance. O humor é o último refúgio desse tipo de canalha. Sua personalidade expansiva, aparentemente cordial, nada mais é do que uma máscara fajuta que cai ao primeiro sinal de resistência.
O Pedro Maluco original, também conhecido como Pedro Garagem (por motivos de locus operacional, ao que tudo indica), é um showroom das piores práticas corporativas já catalogadas. Não espanta que tenha chegado tão alto, e tenha permanecido no cargo por tanto tempo, em um ambiente em que relações políticas falam mais alto do que interesses administrativos. Tornou-se caro e arriscado manter esse tipo de funcionário em instituições privadas. Isso não significa que sejam criaturas em extinção. Muito pelo contrário. Infelizmente, fala-se menos do que se deveria sobre o assunto no Brasil. Talvez porque os brasileiros gostem de cultivar a ideia de que vivem em um país descontraído, onde sexo nunca é problema e quem reclama é ruim da cabeça ou doente do pé. Tudo muito lindo, claro, quando “sim” é “sim” e “não” é “não” – e ninguém corre o risco de perder o emprego ou ser humilhado no ambiente de trabalho.
Nos últimos anos, expressões como “assédio moral” e “assédio sexual” deixaram de ser conhecidas apenas nas varas da Justiça do Trabalho e nos departamentos de RH. Quando algo é nomeado, fica mais fácil reconhecer, denunciar, punir e tentar prevenir. Nos anos 1970, a ditadura militar lançou o Sujismundo como símbolo da campanha “povo desenvolvido é povo limpo”. Quem sabe o Pedro Maluco não emplaca uma nova carreira na administração pública?