Mesmo quem não é dado a tratamentos estéticos, ficou sabendo nos últimos dias o que é um peeling de fenol. Mas se você ainda não sabe o que é, eu explico. Melhor, a internet explica: “aplicação de um composto orgânico mais ácido do que o álcool e que provoca uma reação inflamatória na pele. A inflamação causa uma descamação da superfície do tecido para reduzir manchas e cicatrizes”. A dermatologista Meire Parada, ao portal Drauzio Varella, diz que “quando bem feito, bem aplicado e bem acompanhado, é padrão-ouro do tratamento (…) Quando tudo dá certo, é maravilhoso. Parece que passaram um ferro na pele, de tão lisa que fica”.
Pois bem, um jovem morreu semana passada em São Paulo, numa “clínica estética” quando foi submetido ao procedimento. Não vou nem dizer tudo que tem de errado nessa frase. Um jovem perdendo a vida por uma questão estética, confiando numa pseudoprofissional, numa pseudoclínica. Nada contra querer parecer mais jovem, atraente, consertar algo que nos incomoda na nossa aparência. Mas a quem você entrega sua cara a tapas, isso importa, e muito.
Na adolescência passei por muitos questionamentos, além do usual de onde vim e pra onde vamos, eu tinha uma fixação no meu nariz longo e torto demais, nas minhas pernas compridas demais, no meu cabelo crespo demais, misturados numa confiança e perspectiva de vida de menos. Me achava feia, seja o que isso signifique, e perdi muito tempo em procedimentos estéticos e cirurgias plásticas mentais. Eu tinha até uma lista das coisas que gostaria de mudar em mim, que tinha do nariz ao cabelo misturados a arrumar um emprego, perder a vergonha, fazer casas com esgoto em todo morro da Maria Degolada, arrumar meus dedos do pé que tem tamanhos diferentes e desproporcionais e escrever a história da minha família. Assim era minha lista, tudo junto e misturado, sem nenhuma ordem nem sentido.
O tempo passou, eu entrei na faculdade e arrumei um emprego e felizmente nunca realizei a plástica; primeiro por falta de dinheiro e medo, depois por medo e falta de vontade de botar o meu suado dinheiro nisso. Acrescente o fato de eu ter trabalhado com um cirurgião plástico que admiro muito, especialmente porque ele encaminhava algumas pacientes para uma avaliação e tratamento psicológico, antes de meter o bisturi em corpos perfeitos e mentes não tanto. Comecei a gostar do meu nariz, achar charmoso e diferente. Admito que comecei a me achar especial por causa dele, graças em parte a um filme do Almodóvar com a atriz Rossy de Palma (vai no google, o nariz poderoso dela merece).
Mas quantas pessoas conseguem se aceitar? Eu mesma às vezes ainda luto com noções estéticas, sejam aquelas rugas profundas, o cabelo ou a gordura localizada. O que mudou pra mim é o que entra e a ordem que eu coloco nessa lista. Minhas prioridades mudaram, em parte pela idade, em parte por tudo que fui vivendo. Comecei a aceitar o que não posso controlar em mim mesma, a trabalhar o que acho que vale a pena e pode ser mudado no meu jeito nada meigo de ser, e tento ter algum impacto positivo na minha comunidade, seja de que tamanho for, mesmo que não tenha conseguido colocar rede de esgoto nem na rua onde moro e nem escrever a história da minha família, ainda.
Talvez o que a gente precise é um peeling de humanidade, tirar essa casca envelhecida e marcada pelos padrões nada naturais que aprendemos de berço e criados sabe-se lá por quem e com que propósito.
Proponho um peeling de fenol profundo pra retirar os esteticistas de Instagram, os coaches de internet em geral, a ganância, a intolerância, os conflitos e guerras, a falta de empatia e a depredação da natureza, só pra citar alguns dos nossos padrões que precisam urgentemente ser renovados.
E sobre os procedimento estéticos, nada contra se você realmente precisa, mas, por favor, procure um profissional de verdade!
Foto da Capa: Freepik/Gerada por IA
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