O futebol era um esporte como golfe, equitação. Era praticado por gente com muita grana na Inglaterra. Com o tempo, passou a ser jogado pelos operários. Tirar o esporte das mãos, e dos pés, dos privilegiados, inclusive duelando com eles, está no caminho da história da popularização desse esporte. É do imaginário do futebol, calcado no seu processo histórico, o triunfo dos mais pobres.
Durante muito tempo foi comum termos equipes nascidas de fábricas ou de associações de trabalhadores. O time da Renner, a fábrica que deu origem às lojas, por exemplo, fez frente a Grêmio e Inter nas décadas de 1940 e 50. A Ferroviária, de Araraquara, nascida da antiga empresa Estrada de Ferro, é uma das equipes tradicionais do interior paulista e já disputou a série A do Brasileiro e a Copa do Brasil.
Esse perfil muitas vezes se confundiu com o machismo, fazendo do jogo uma espécie de território vedado à participação das mulheres. Como mais uma mudança, temos cada vez mais a presença feminina e estamos às vésperas de um mundial da categoria lá na Austrália. Nossa seleção brasileira vai me tirar cedo da cama para torcer pelas meninas.
As regras do futebol também têm uma história de transformações que segue ainda em curso. Por exemplo, não se pode mais atrasar a bola com os pés para o goleiro da sua equipe e ele pegar com as mãos. O goleiro, se receber a bola nessas condições, deve jogar com os pés. Isso ocorreu para evitar que a equipe não fique fazendo o tempo passar, defensivamente. Ela precisa ir para frente.
O número de pontos também mudou. Antes, a vitória valia dois pontos e o empate, um ponto. Agora, a vitória vale três. O motivo foi para a equipe tentar ganhar, não acumulando um pontinho a cada jogo retrancado e se dar por satisfeita.
O técnico passou a poder orientar o time da beira do campo, numa área delimitada. Antes, ele tinha que ficar na casamata. O número de substituições subiu de duas para cinco.
Há pouco, a FIFA editou a normatização de oitos novas regras, que dão conta, por exemplo, da proibição de os goleiros provocarem os batedores de pênaltis e da obrigatoriedade de o juiz dar o acréscimo do tempo transcorrido durante a comemoração dos gols.
No entanto, uma regra que me parece envelhecida e que não muda é a do impedimento. O sentido de ter um jogador impedido é evitar a “pescaria”. Ou seja, que um jogador não recue para disputar a bola quando seu time perde a posse. Quando a equipe recuperasse a pelota, iria lançar para o “pescador”.
Com o avanço da preparação física, tornando os jogadores atletas de alta performance, todos correm o campo inteiro. Não faz mais sentido ter uma regra que impeça o jogador de estar à frente da linha de defesa no momento do passe. A competência física dos jogadores é tão grande que é preciso o VAR usar de alta tecnologia para traçar linhas e verificar se um ombro ou um calcanhar estão à frente. Ora, um meio ombro à frente não configura objetivamente vantagem alguma numa disputa. O sentido da regra, de evitar que um atleta que fique fora da disputa pela bola acabe se beneficiando, terminou se perdendo.
Minha sugestão, caso alguém pedisse a minha opinião, é a seguinte. A única regra do impedimento que eu manteria hoje é a que prevê a situação do lançamento vir do campo de defesa. Nesse caso, o atleta da mesma equipe só pode receber a bola, estando à frente dos marcadores adversários, se ele partir do seu campo. Aí temos o sentido de evitar a “pescaria”. Depois disso, quando o passe parte do campo de ataque, não haveria mais impedimento. O argumento para isso, como disse acima, é que a condição atlética de hoje permite que os boleiros estejam sempre em disputa, ocupando cada centímetro do gramado.
Com isso, certamente teríamos mais gols. E gol, como dizia um antigo programa de tv, é o grande momento do futebol.