“Seja eu, mas não eu”.
Harold Bloom
Sinceramente, eu peço desculpas antecipadas pelo caráter terrivelmente pessoal do texto. Desconfio de que possa ser indesculpável, por isso espero encontrar, ao final, alguma transcendência como a forma mais legítima de alcançar esse perdão solicitado desde o início.
Antes disso, eu me valho de alguns autores como uma espécie de álibi para a minha insanidade de deter-me em si. Em mim. José Lins do Rego, por exemplo, contava o mundo do Nordeste e fora dele, a partir de suas memórias individuais. Gustave Flaubert assegurava que Madame Bovary era ele. E, mesmo fora das páginas, Jorge Luis Borges, ao ser reconhecido em alguma galeria de Buenos Aires, diante da pergunta “És Borges?”, costumava responder “Às vezes”.
Sei que me afundo cada vez mais, tomando como álibis só pesos pesados. Por isso, abandono as justificativas ou as desculpas e adentro a confissão. Certa feita, no meio de uma briga um tanto renhida, a minha namorada disse que estava realmente decepcionada comigo. Onde esperava ver um poeta, via um ranzinza. Onde esperava ouvir a melodia de um verso, deparava-se com um silêncio aterrador.
O que era para ser a manifestação transitória de um desentendimento comezinho, desses que não resistem a uma paz ou a novos pensamentos, seguiu ecoando e ecoando e ecoando, mesmo depois que a tempestade alcançou a bonança. Sim, ela estava certa e cada palavra proferida seguia significando muito para mim. Fora da poesia (da arte), sou um ranzinza. Fora dos momentos expressivos de uma prosa, lá quando ela alcança a melodia (poesia), inunda-me e talvez inunde a todos nós, aqui e agora, um silêncio avassalador sem transcendência.
Também por isso precisamos da arte e da poesia, não somente para poder dizer, conforme dizia Jean Genet para se referir a uma vitória que costuma ser verbal, mas para manter a atenção, o interesse – logo, o amor – do outro. A arte existe porque a vida não basta, conforme disse o poeta Ferreira Gullar. E acrescento, modestamente, que não basta, porque, nus e crus, sem poesia, não bastamos para os encontros.
Encerro a confissão com um duplo pedido de desculpas. Um, porque desconfio de que não atingi a transcendência necessária e prometida. “Nós perdemos sempre” – disse o poeta Mário de Andrade – e nada pode ter aqui passado de uma bruta confissão. Sem perdão. Dois, porque posso ter usado ou abusado de vossa atenção tão somente para resgatar algo de poético e deixar de ser ranzinza ou desinteressante, isto que costumamos ser quando estamos desprovidos de arte.
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Imagem da Capa: Gerada por IA