Fragmentos do noticiário diário – nada animador – que acompanhei na semana que passou. Mas há gestos de solidariedade em meio ao caos.
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Casa geriátrica clandestina em Taquara mantinha idosos em cárcere privado, sem higiene, sem água, com alimentação restrita, sem acesso ao cartão do banco, jogados de qualquer jeito no local. Abandonados e maltratados. Dez foram resgatados. Em dois meses, cinco morreram. E os corpos? E as famílias? Um campo de concentração que nos remete ao nazismo. Assustador! Descobertos, os donos fugiram. E agora?
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Enquanto as tragédias acontecem sem freios, como o assassinato de três médicos na orla do Rio de Janeiro, a tragédia do Vale do Taquari completou um mês. Depois de perdas imensuráveis, pessoais, coletivas, econômicas, emocionais, a comunidade segue em busca da reconstrução de suas vidas, do equilíbrio e da força necessária para seguir, amparada pela solidariedade. Muita gente anônima deixou o conforto de suas casas para ajudar quem precisa, através de mutirões de limpeza, de doações, de um ombro para amparar a dor, de um abraço, de uma palavra amiga nesta retomada difícil do cotidiano.
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É visível e é lamentável. Quem governa mostra-se decidido a passar os compromissos adiante, não os ligados a dor imediata da população. Outros, como a transferência para o setor privado da responsabilidade pelos serviços públicos essenciais, energia elétrica e transporte coletivo, para dar apenas dois exemplos. Sob o meu ponto de vista, é uma covardia. É não se importar com o cotidiano dos trabalhadores, dos estudantes, de quem depende unicamente de um ônibus para se deslocar. Mas os governos não estão preocupados com as demandas da população mais vulnerável, com o emprego ou com a transparência dos serviços prestados. Querem a privatização, que rende muito mais. Para quem?
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E o desequilíbrio ambiental e humano é manchete cotidiana.
Está na ordem dos dias e parece que nada detém o desequilíbrio. Estiagem e cheias. Na Amazônia, incêndios florestais, seca intensa, navegação difícil e falta de água potável. No sul, a chuva e o vento quando chegam não são nada amenos. Alguma coisa está fora da ordem, com certeza. Ou tudo?
A violência, a miséria, a injustiça social, a impunidade e os abusos ocupam as manchetes cotidianas. O desequilíbrio parece estar impregnado na nossa pele. Dói, mas já não nos espantamos. Nossos olhos estão habituados com o desespero de alguns olhares e a apatia de milhares de rostos. Nossos ouvidos não estranham o atordoamento de algumas vozes e o silêncio de outras. Nossa boca acostumou-se a dizer o óbvio, a repetir frases feitas. Ou calar. Nosso corpo absorve o cansaço dos corpos famintos e desesperançados que cruzam as ruas em busca de quase nada. Nossa consciência, às vezes, lateja, mas logo arruma um jeito de amortecer.
Já não resistimos ao menor contratempo. Já não temos quase fôlego. Sonhamos com o amanhã de braços cruzados. Teorizamos, é verdade. Satisfazemos nossos egos com discursos brilhantes. Mergulhamos nas causas além de nós, debruçados nas nossas janelas, enquanto disfarçamos a implacável impotência que nos assalta. Estamos embrutecidos diante de tanta impossibilidade e nos escondemos na teoria. Só conseguimos chegar até a janela, de onde vemos tudo, passiva e dolorosamente.
E para encerrar, dias atrás ouvi de um bando de “machos”, que passou em um carro barulhento, enquanto eu esperava a sinaleira abrir para atravessar a Rua Doutor Timóteo, na esquina com a Rua Marquês do Pombal, em Porto Alegre: “Levanta do chão, senão vamos passar por cima!”.
Precisamos mesmo recuperar a delicadeza perdida.
Foto da Capa: Luis Quintero / Pexels