Para autistas e suas famílias, a exclusão, bullying e até mesmo agressões são situações muito comuns. Ficando apenas nas notícias desse último mês de julho, vemos manchetes como “Mãe de criança com autismo denuncia agressão em escola de Salvador após filho aparecer com olho roxo”. Nos dois últimos anos, tivemos notícias como do aluno autista que foi humilhado pela própria professora e virou alvo de chacota por seus colegas, ocorrida em uma escola do Distrito Federal ou do aluno agredido pela professora ou por seus colegas.
O ambiente escolar muitas vezes é violento com quem é diferente. Como fazer para crianças e adolescentes autistas não serem excluídas em ambientes de lazer ou na escola? Como fazer para evitar o bullying contra autistas? Essas são perguntas que autistas e suas famílias fazem diariamente.
Porém, quando são chamados a conversar sobre isso nas escolas, pais e mães de autistas são confrontados com outro tipo de afirmações, com o famoso “mas ele”, que no caso, é o aluno ou aluna autista. Essa expressão é comumente usada em uma série de situações como:
- o colega é querido por todos, “mas ele” resolveu xingar ele;
- todos estavam brincando, “mas ele” resolveu acabar a brincadeira;
- todos gostam muito dele, é uma turma ótima, “mas ele” não colabora.
Logo depois, é praticamente certo que o comportamento do seu filho ou filha é inadequado, repentino e inexplicável.
Dois recentes estudos da Universidade de Alberta, localizada na cidade de Edmonton, no Canadá, buscaram trazer respostas inovadoras para essas questões. Colocam em xeque essas justificativas preguiçosas que autistas e suas famílias já cansaram de ouvir.
Rejeitando depositar toda responsabilidade pela inclusão sobre os excluídos, a professora Sandra Hodgetts afasta a ideia estereotipada que autistas querem ficar “em seu próprio mundo” e afirma claramente que “todos querem conexão” e propõe uma mudança de foco no modo como pensamos a inclusão.
“Acho que muitas vezes estamos tão focados nas crianças autistas na escola, no acampamento, em qualquer lugar, que nos esquecemos de usar os colegas. Ignoramos como os colegas são capazes de intensificar (os sentimentos de exclusão ou de pertencimento).”
A iniciativa coordenada e estudada pela professora Sandra não exige treinamento especializado ou qualificação técnica para ser realizada. Após escutar pais de crianças autistas e as próprias crianças, elaborou um roteiro simples que foi apresentado aos demais: os neurotípicos, frequentadores não-autistas de acampamentos de verão, atividade comum para crianças e adolescentes nas férias de verão canadense.
O roteiro é formado por quatro pontos:
- informação clara de que determinada(s) criança(s) é ou são autistas e o que é o autismo;
- informação e contextualização das características e maneiras que a criança autista pode se comportar ou se comunicar de maneira diferente;
- esclarecimentos sobre quais são as qualidades e interesses da criança autista;
- definição de estratégias específicas para se relacionar e se envolver com aquela criança.
A informação dos pontos fortes e interesses da criança permitiu que os colegas pudessem reconhecer as semelhanças entre eles. Quanto às atitudes “diferentes” da criança, foi explicado o que aquele determinado comportamento significava do ponto de vista da criança autista e quais são as melhores respostas de modo com que todos se sintam confortáveis e incluídos.
Os resultados mostraram que os campistas autistas tiveram maior envolvimento nos grupos em que houve a intervenção dos pesquisadores em relação aos demais, com grande impacto para todos participantes no experimento.
Como concluiu a pesquisadora, o foco da pesquisa não foi “normalizar” as crianças autistas para que se encaixassem em uma concepção pré-concebida de como deve ser seu comportamento ou participação, mas ajudar os demais colegas a respeitá-las e interagir com elas. O resultado: pertencimento e inclusão.
A sensação de pertencimento também está no centro de outra pesquisa conduzida na Universidade de Alberta, conduzida pela psicóloga autista Heather Brown, junto com a neurodiversidade, a ideia na qual o autismo é uma diferença e não uma doença. Assim, Heather usa seus hiperfocos, os assuntos que prendem bastante sua atenção para identificar os focos e as qualidades dos universitários autistas para que possam ter sucesso no meio acadêmico e na comunidade, buscando acolher as diferenças.
Seu método é chamado de “pesquisa participativa emancipatória” e trabalha com o protagonismo de estudantes autistas, o que fortalece sua confiança e auto-estima e busca reverter as desvantagens de quem historicamente recebeu menos oportunidades e experimentou mais desvantagens institucionais e sistêmicas.
O modelo que trabalha também é chamado de “interacionista” pois trabalha as interações entre os autistas e a comunidade a seu redor buscando identificar as barreiras que impedem a plena participação e inclusão de pessoas com deficiência – sejam essas barreiras físicas, atitudinais ou institucionais.
Sua parceira de pesquisa é a professora Sandra Hodgens e suas intervenções também buscam melhorar a compreensão do autismo pelos colegas não autistas. Ainda têm o propósito de envolvê-los na inclusão de seus colegas autistas, o que, diz ela, acaba se estendendo para outros grupos marginalizados.
São apenas dois exemplos de estudos em andamento. Eles nos alertam na crueldade e inutilidade de fazer com que pessoas autistas sejam elas mesmas responsáveis pela própria inclusão. A inclusão é tarefa de todas e todos, caso contrário, seguiremos replicando exclusão e fazendo com que as escolas sejam territórios assustadores para aqueles que não se encaixam na dita “normalidade”.